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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Mano Brown é indicado ao título de Doutor Honoris Causa na Bahia

No momento em que o Hip-Hop celebra 50 anos, a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), aprova um feito inédito ao oferecer o “Título de Doutor Honoris Causa ao Sr. Pedro Paulo Soares Pereira, o Mano Brown”, conforme descrito no documento da instituição.

O parecer favorável traz uma contundente peça de defesa: “Trata-se de um indivíduo singular,” a aprovação ocorreu nesta quarta (16), durante o Conselho Universitário (CONSUNI) e enumera o papel fundamental de Mano Brown e seu posicionamento: “rapper, integrante e fundador do grupo Racionais MC’s, seu trabalho é voltado a um público jovem, ainda em idade de formação escolar uma parcela da população que, ao menos em tese, deveria possuir uma agenda diária que reservasse boa parte de seu tempo para frequentar uma escola,” pontua.

O processo 23746.007544/2023-89 (responsável documentar para o pedido de titulação) é minucioso ao detalhar os quase 300 mil habitantes do Capão Redondo, na Zona sul de São Paulo, onde o Estado disponibiliza 29 escolas públicas e a rede municipal, 51 unidades educacionais. O documento admite que por falta de um censo atualizado, não é possível enumerar a quantidade de jovens fora da escola. “Entretanto, pode-se afirmar que Mano Brown representa e dialoga com essa parcela da população,” um parecer assertivo.

A ação sustentada por um memorial que, já em seu título, justifica a proposta partir de uma universidade do estado da Bahia: “Mano Brown: ‘Fi de Baiano’ (…)”, faz menção a letra de rap com “poesia à altura de Castro Alves”, de suas raízes familiares que remontam ao Nordeste brasileiro, fruto do êxodo populacional, “De pai desconhecido, supostamente de origem italiana, sua mãe Dona Ana Soares, já falecida, é natural de Riachão do Jacuípe, 186 Km da capital dos baianos,” descreve o memorial.

O professor Richard Santos, Pró-reitor na universidade, comenta o ineditismo da proposta: “Esse reconhecimento é totalmente merecido por Mano Brown, ao mesmo tempo, não é exclusivo, é algo que diz respeito à importância do Hip-Hop, ao seu legado e as possibilidades que antes não tínhamos nem em nossos sonhos.”

Em seu podcast Mano a Mano ao receber como convidado Gilberto Gil, Brown, contou ter recém descoberto que seu avô materno é oriundo de quilombo da região do Rio Roncador, na Chapada Diamantina, “segundo dados de registros da igreja local, teria o nome de Teodoro Roncador, homem preto versado no trabalho com borracha e couro”. Enquanto o parecer observa um outro aspecto, igualmente peculiar:

“Quando a Universidade se propõe a conceder o título de Doutor Honoris Causa ao cidadão que provoca o questionamento da identidade através da apropriação da pedagogia da mídia, ela trata de abordar uma política na educação que é parte desta história humana.”

Histórias como as narradas em música por Mano Brown, histórias vividas até mesmo pelo corpo docente que aprovaram a condecoração, – Richard Santos, Doutor em Ciências Sociais, tendo ele próprio uma trajetória com origem no Hip-Hop, onde é mais conhecido como Big Richard –, revela o novo momento da universidade pública: “Ainda mais com uma Reitora, como Joana Angélica Guimarães, a primeira mulher negra a comandar uma Universidade Federal no Brasil, oriunda da periferia e assim posso afirmar que a UFSB é uma universidade insurgente, rompendo as barragens de peneiramento, como diria o Clóvis Moura”, destaca o rapper Doutor.

A aprovação aconteceu sob muita emoção, Mano Brown passa a ser reconhecido por “representar e dialogar com essa camada da população, que vê a escola com a desconfiança do soldado que chega ao campo de batalha pela primeira vez”, compara o documento.

Em outro trecho o parecer elaborado pelo Prof. Dr. Francisco Nascimento, Decano IHAC, enfrenta o seguinte questionamento: “por que preciso ir à escola?”, a dúvida recorrente à população em pobreza extrema, encontra diferentes respostas: “em busca de uma refeição”; “local seguro diante à violência”; “território neutro enquanto seus familiares trabalham”.

E é esse o epicentro de uma realidade rasgada onde ação pública por vezes fracassa, que Mano Brown dialoga e representa.

O documento, também lembra a função primária do local de estudos: “As crianças que são enviadas para a escola porque lá aprenderão a ler e a escrever, serão alfabetizadas, receberão uma educação a partir da qual se assegura um emprego no futuro ou quem sabe até, talvez, o ingresso em uma faculdade.”

Dessa forma, o título Honoris Causa, reconhecendo o notório saber de Mano Brown é mais que justo e necessário, se faz urgente.

Para este escritor do Hip-Hop: Mano Brown ser declarado Doutor Honoris Causa, é o mesmo que todos nós, membros dessa cultura, sermos igualmente homenageados. O Hip-Hop, finalmente é reconhecido pela contribuição única que oferece à educação e formação dos que vêm de baixo.


Texto em português do Brasil

por Toni C. com colaboração de Demetrios dos Santos Ferreira


Toni C. é escritor, roteirista do documentário AmarElo é Tudo Pra Ontem – Emicida, diretor do documentário É Tudo Nosso! O Hip-Hop Fazendo História. Autor dos livros: Sabotage – Um Bom Lugar, e do romance “O Hip-Hop Está Morto!”, organizador dos livros Hip-Hop a Lápis e Literatura do Oprimido, criador do coletivo LiteraRUA.

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