O artigo de opinião de Bruno Soares Gonçalves (Presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do Instituto Superior Técnico), recentemente publicado no EXPRESSO e intitulado E, no fim, os alemães ganham sempre, deve ser visto como um alerta sobre a questão das energias renováveis e uma contribuição para o debate em torno do uso da energia nuclear.
Um alerta, por chamar a atenção para os riscos de dependência que resultarão da produção de soluções energéticas de baixo valor acrescentado que outros aproveitarão para a produção de bens de maior valor acrescentado, no que o autor designa como uma espécie de “colonialismo da cadeia de abastecimento”, e para a relativa ineficiência das energias alternativas, como a eólica e a solar, tantas vezes apresentadas como a solução perfeita; uma contribuição para o debate, por trazer a questão do nuclear e por denunciar a estranheza da estratégia da sua absoluta recusa adoptada pela Alemanha.
Já em Março deste ano o mesmo Bruno Soares Gonçalves tinha publicado o artigo O nuclear e a (des)União Europeia, desta vez no PUBLICO, onde abordou as diferenças entre a opção alemã e a francesa (menos dogmática na questão do nuclear), lembrando que os únicos países da UE em condições de cumprir o limite fixado pela Comissão Europeia para o dióxido de carbono na produção de hidrogénio (64 gramas de dióxido de carbono por kWh de electricidade produzida) são a França e a Suécia, aqueles onde grande parte da sua eletricidade é gerada a partir da energia nuclear e que se a aprovação do rótulo “verde” para o gás natural e a energia nuclear fez regressar a polémica, também poderá contribuir para recentrar o debate e recuperar uma opção nuclear que apresenta novos desenvolvimentos trazidos pelo recente sucesso da tecnologia da fusão nuclear.
Ouviram-se de imediato os habituais fundamentalismos contra o nuclear, com a evocação das catástrofes de Chernobyl (1986) e Fukushima (2011), e os perigos do uso daquela tecnologia, mas nunca ao facto daqueles acidentes se terem ficado a dever fundamentalmente a deficiências na manutenção e nos respectivos mecanismos de controle, nem a referência à possível e vantajosa substituição do tradicional processo de fissão pelo da fusão (mais seguro e gerador de menos resíduos); pior ainda, apresentam a par com a dúbia crítica de o hidrogénio produzido com base em energia nuclear se revelar uma solução cara, enquanto o mesmo é apresentado como um potencial criador de grande distorção do mercado de eletricidade e por isso prejudicial à transição energética verde.
Mas para esta transição verde é preciso ultrapassar o facto de a eletricidade não conseguir oferecer o poder térmico e a densidade energética indispensáveis na indústria pesada e nos transportes. A ideia actual para superar este obstáculo, é utilizar eletricidade renovável para fabricar hidrogénio e consumir directamente o hidrogénio assim purificado, ou fabricar a partir dele os novos combustíveis sintéticos que hão de servir os transportes (aviões e barcos) e indústrias pesadas, como a cimenteira e a siderúrgica.
Outra hipótese, que até pode ser explorada em paralelo, é a indústria do petróleo e do gás começar a “lavar” os seus combustíveis, retirando-lhos os poluentes e o CO2. Embora pouco recomendável do ponto de vista financeiro e energético, esta solução manterá a cadeia de valor do sector petrolífero e é tecnicamente exequível se para tal houver vontade e… dinheiros públicos que eliminem os riscos e mantenham os lucros.
Estas são as alternativas que se apresentam para a descarbonização total, mas constituem hipóteses de investimento muito caras porque, não só terão de modificar os processos tecnológicos, os equipamentos e as infraestruturas, como (cúmulo do anacronismo) gastar mais energia para a comercialização da nova energia.
Mas seja pela via do hidrogénio verde ou pela dos combustíveis “lavados”, ou pelas duas soluções em conjunto, os biliões necessários para estes investimentos serão uma despesa que todos iremos ser obrigados a suportar. Em nome do Planeta, para uns, ou em benefício dos lucros privados, para outros, mas seguramente com maiores custos acrescidos porque, como também escreveu Bruno Soares Gonçalves numa outra ocasião, não falamos do nuclear… mas devíamos!