A cimeira dos BRICS, que teve lugar entre 22 a 24 de Agosto de 2023 na África do Sul, poderá ficar para a História como um passo fundamental na formação de um bloco com o objectivo de desafiar o domínio ocidental e a confirmação da vontade de ser uma alternativa à ordem mundial.
A predominância do Ocidente tem sido expressa sob várias formas, onde dominam a vertente militar (sob a capa da NATO e mais recentemente da AUKUS) ou a económica, onde pontificam o G7 e o G20. Recorde-se que a ideia dos G7 (conhecido como G8 até ao afastamento da Rússia, em 2014) e G20, que reúne as maiores economias mundiais, partiu de uma iniciativa do ex-presidente francês Valéry Giscard d’Estaing que, em 1975, reuniu um grupo de seis governantes (Alemanha, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido), para debater a questão dominante da época, que era a crise do petróleo.
Ao contrário do grupo dos mais ricos (seja o mais abrangente G20 ou o mais restrito G7), que partiu de uma iniciativa puramente política, o conceito dos BRICS surgiu em 2001 numa publicação da Goldman Sachs (grupo financeiro multinacional, norte-americano, particularmente conhecido pelas suas actividades como banco de investimento, gestão de valores mobiliários e de investimentos) – Building Better Global Economic BRICs – num acrónimo identificador das chamadas economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia e China, a que mais tarde se associaria a África do Sul.
O facto é que em 2006, o que poderá ter tido a sua génese como conceito académico, começou a dar sinais de se transformar em algo com os contornos de uma alternativa geopolítica, quando os ministros dos negócios estrangeiros dos quatros estados se reuniram à margem de uma Assembleia Geral da ONU que levaria à realização regular de cimeiras quadripartidas. A admissão da África do Sul, em 2010, assegurou a consolidação e globalização (os quatro continentes passaram a estar representados) da iniciativa, enquanto que o crescimento económico da China e da Índia garantiam um considerável aumento do peso e da importância política do bloco, a par com o aprofundamento da discussão de questões como a melhoria da situação económica global, a reforma das instituições financeiras (FMI e Banco Mundial, onde a influência das países ocidentais excede em muito o peso das respectivas economias) e o aprofundamento da cooperação entre os membros.
Nesta última cimeira discutiram exaustivamente um conjunto amplo de questões como, a expansão do bloco, moeda comum, investimento e comércio, além dos habituais temas de estratégia e geopolítica, terminando com o anúncio da admissão de seis novos membros: Argentina, Arábia Saudita, Egipto, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irão.
Entre os países do Médio Oriente, a Arábia Saudita é não só o maior exportador de petróleo do mundo, mas também a sede dos locais mais sagrados do Islão, facto que associa uma faceta política e altamente simbólica àquela posição económica; conjuntamente com os Emirados Árabes Unidos constituem os dois maiores pesos pesados políticos e financeiros do Golfo Pérsico e dois dos maiores fornecedores de energia do mundo, o que deverá dar ao bloco peso adicional na sua tentativa de desafiar a ordem mundial dominada pelos EUA, enquanto confirma a consolidação da reputação e influência daqueles Emirados como parceiro global. Já a admissão do Irão surgirá na sequência da sua aproximação a Pequim e a Moscovo, em resultado das sanções que lhe foram impostas pelo Ocidente, não sendo também de excluir que represente uma forma de gerir cuidadosamente o equilíbrio de poder entre os países e as facções islâmicas na região.
O Egipto é o país árabe mais populoso e a sua admissão – a par com a do Irão – reforça a imagem do bloco como inclusivo e representativo de várias civilizações; embora seja um dos principais beneficiários da ajuda norte americana, há muito que mantém uma forte relação com a Rússia e tem laços comerciais crescentes com a China, o que reforça o seu interesse em se libertar da dependência americana tanto mais que a sua dependência do dólar e as sanções económicas impostas pelo Ocidente à Rússia desencadearam uma crise cambial que levou ao disparar do preço das cruciais importações de trigo e de combustíveis (pagas em dólares) e está a originar uma perigosa crise na sua economia.