A António Bagão Félix, Victor Gil, Pedro Afonso e Paulo Otero (desculpem, não é Otero, deve ter um apelido parecido, só pode ser depois de dizer que “há funções que são próprias das mulheres” e que se devia criar o “estatuto de dona de casa”) saiu a sorte grande quando Pedro Passos Coelho decidiu apresentar o livro que publicaram enquanto dirigentes do grupo MAE (Movimento Acção Ética) intitulado “Identidade e Família”. Tendo em conta que a qualidade literária de um livro não é a sua melhor promoção (nem se saberá bem o que é isso de qualidade literária) e que esse livro é apenas um conjunto de textos de reflexão de gente conservadora, sobretudo à direita do pensamento político, mas com dois ou três casos de esquerda que partilha valores de direita católica e antiquada, para se fazer vender um livro que não seria lido se não por aqueles que escreveram os textos e seus amigos nada melhor que arranjar uma boa polémica e dar-lhe espaço mediático.
O homem que tinha dito que “Vem aí o diabo.” depois de se ter formado a geringonça (diabo esse que se trouxe o descongelamento das pensões, a reposição dos quatro feriados suspensos, a redução para 13% do IVA da restauração, a revogação das alterações à Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez, a não admissão de qualquer novo processo de privatização, a reposição de salários, de subsídios de férias e do 13º mês, entre outras) afirmou, de forma totalmente irrealista e propositada, que havia uma “sensação” de insegurança no país por causa da imigração, atirando, dessa forma beijos ao CHEGA que foram logo aproveitados por André Ventura, que os recebeu nos seus lábios, ainda estava ele na plateia a ouvir em directo as palavras do seu impulsionador e amigo e próximo em ideias, como prova de amor e de noivado que Ventura deseja consumar em casamento governativo com a AD. Entrou de rompante, como uma estrela cadente, deixou a sua marca e desapareceu (provavelmente, por desejo, como se costuma fazer quando se vê uma estrela cadente, do líder da AD, Luís Montenegro, que sempre disse ao Chega “Não é não!”).
Como Pedro Passos Coelho também se quer promover (“Quem votou em Cavaco Silva e o elegeu duas vezes Presidente da República porque não votará em mim?”, terá pensado um ex-primeiro-ministro pouco apreciado depois do fim do seu mandato como fora Cavaco Silva) veio promover o tal livrinho, dizendo que se revê em muitas das perspectivas do livro que aponta como “adversários” da família a “escola pública”, as “posições radicais e mediaticamente potenciadas” e ainda “a chamada ideologia de género”. Passos Coelho chega ao ponto de referir a “sovietização do ensino”, facto verdadeiramente grotesco, mas que, provavelmente, se coaduna muito bem com a sua experiência enquanto primeiro-ministro, pois foram deles as palavras que indicaram que havia excesso de professores no Ensino e que os que não tinham colocação que “emigrassem” (ou fossem para um “gulag” conservador para aplicarem correctamente a “ocidentilização belicista, selvagem e competitivamente feroz e cruel do ensino”), facto apoiado e corroborado pelo seu Ministro da Educação, Nuno Crato, que também afirmou que havia excesso de professores durante o seu mandato e que, já em 2023, 10 anos depois, veio, com a maior insensatez e com uma cara de pau do tamanho de uma sequóia, que já previra que a falta de professores iria acontecer e que era necessário tornar a actividade docente atractiva (o que ele fez, aumentando os horários dos professores, o número de alunos por turma, criando uma ignóbil prova de Acesso para a docência mesmo depois de os professores terem obtido a certificação para o ensino depois dos anos necessários de formação académica e pedagógica).
Houve confusão e estardalhaço depois da apresentação do livro por parte de Passos Coelho, o que levou jornalistas e comentadores a comprarem e a lerem o livro para poderem dar a sua opinião e terá levado muitos curiosos a quererem saber quais as verdades católicas e conservadoras com que se identificavam e outros a comprarem para poderem criticar a visão passista e passadista de um regresso ao passado no que respeita à família e à identidade de cada um.
Para comprovar que a melhor publicidade e a melhor promoção de uma obra e de um autor são a polémica dêmos o exemplo do Nobel Saramago. Quando publicou o “Evangelho segundo Jesus Cristo”, logo a Igreja Católica, qual virgem ofendida, veio desconsiderar a obra por não respeitar a moral cristã e por fazer de Jesus Cristo um ser sexual, sexualizado, com desejo sexual, com vontade de fornicar e com concretização de coito, ainda para mais com uma prostituta, Maria Madalena, (se bem que se fosse com uma mulher virgem qualquer não creio que a Igreja Católica tivesse ficado menos chocada) como se Jesus, divino e casto, puro e sem vis desejos de mortais fracos de carne e de pensamento, não se pudesse, em algum momento da sua vida, apesar de ter sido feito homem à imagem do pai, Deus, comportar como homem que era como os outros homens (não totalmente como os outros, pois Jesus fazia milagres) e apaixonar-se, entesoar-se, masturbar-se e ter sonhos eróticos e poluções nocturnas.
Para aumentar a curiosidade de futuros leitores, até membros do Governo de Cavaco Silva se insurgiram contra a obra, considerando-a imoral e atentatória de uma cultura predominantemente cristã e católica no país, como se Saramago estivesse a ofender um país inteiro com a sua perspectiva sobre o que teria sido a vida humana de Jesus Cristo. Entre esses membros do Governo de Cavaco estava o Subsecretário de Estado da Cultura do PSD, Sousa Lara, que vetaria (por ordem do chefe supremo do Governo, o “progressista” Cavaco Silva) a candidatura da obra de Saramago a um prémio literário europeu, num exemplo claro de censura não de lápis azul, mas de escarro laranja, dizendo que o livro não representava Portugal. Ora, como a sujidade de um acto se limpa com uma medalha, o já Presidente Cavaco Silva agraciou com a ordem do Infante D. Henrique o ex-subsecretário Sousa Lara, tentando com esse acto, limpar a face do escarrador, ou melhor, do cumpridor da ordem de escarrar. Até o mui católico praticante actual presidente da República, o famoso Marcelo Rebelo de Sousa, um verdadeiro “selfiemade man”, disse em 2018, por ocasião da celebração dos 20 anos da atribuição do prémio Nobel a José Saramago, que o veto de Cavaco a Saramago fora “falta de senso e bom gosto”, expressão mais ou menos clonada da famosa “Questão do bom senso e bom gosto”, escrita pelo filósofo, escritor e socialista Antero de Quental a propósito da famosa “Questão Coimbrã”.
Bem, na verdade, a Saramago saiu a sorte grande, pois a celeuma que suscitou fez do seu livro um grande “best-seller” mundial, constando numa lista dos mais polémicos livros de sempre. Aliás, Saramago, astuto e engenhoso, quando lançou o livro “Caim” tratou ele de lançar a polémica que promoveria esse seu livro, não propriamente por falar em concreto do conteúdo do mesmo, mas por ter dito que “a Bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana”. E, claro, vieram as reacções de elementos da Igreja, como o Padre Manuel Morujão, que acusou Saramago de golpe publicitário, do teólogo Anselmo Borges que reduziu as declarações de Saramago a uma leitura “completamente unilateral” da Bíblia e, para complementar em grande, o grande debate, moderado pelo jornalista Mário Crespo, entre Saramago e o padre Carreira das Neves, em directo na TV, com Saramago a insistir na ideia do Deus cruel, exemplificando com a leitura do “Livro de Job” e da conversa que Deus teve com Satã para provar que Job sempre seguiria Deus, mesmo que Deus o fizesse passar pelos maiores sofrimentos e provações. Se querem saber se tudo deve ser levado à letra como Saramago sugere ou se tudo não passam de metáforas, de imagens sobre a “justiça redistributiva” a que Carreira das Neves se refere durante o debate, leiam, ao contrário dos católicos, como disse Saramago, não toda a “Bíblia”, mas apenas “O livro de Job” que, acrescento, se estiverem atentos, verão como inspirou alguns poemas do eterno Luís de Camões. E “Caim” vendeu, e muito, embora não se possa dizer que é dos melhores livros de Saramago.
Eu escrevi um livro intitulado “Lobo mau ataca a República dos três porquinhos”, livro de contos, em 2013, e como não tenho jeito nenhum para a publicidade nem para a promoção fiz eu próprio a sua apresentação. Como devem imaginar, não obteve grande sucesso, pois não me lembrei de pedir, por exemplo, ao primeiro-ministro da altura, Pedro Passos Coelho, que viesse apresentar o meu livro, o que lhe daria honras de publicidade televisiva e evidente curiosidade por parte da população em geral. Porém, mesmo que o tivesse convidado, ele, de certeza, não teria aceitado, pois estava demasiado focado em ir para além da troika, fazendo tudo o que já referi atrás, tentando que os portugueses tivessem salários mais atractivos para os investidores estrangeiros para que melhor nos pudessem explorar e tentando vender tudo o que fosse público para libertar o país de encargos e rechear os bolsos dos investidores “amigos” da Troika.
Porém, o que os leitores não sabem (e não sabem porque nenhum órgão de comunicação visual, escrita ou radiofónica se dignou a comparecer nas apresentações desse meu livro) é que, nas seguintes apresentações, apareceram várias figuras populares a comentar o meu livro “Lobo mau ataca a República dos três porquinhos”. O primeiro a aparecer foi o fantasma de António de Oliveira Salazar para realçar que a minha obra era um manifesto apologista do Estado Novo porque era bem verdade que este regime democrático era governado não por três porquinhos, mas por três grandes órgãos de soberana porcaria que eram as fundações de um regime ineficaz e corrupto como ele nunca fora e que eu defendia o fim da República do chiqueiro. Não comento as palavras do fantasma do ditador, mas reparei que houve aplausos, tímidos, confesso, na plateia (que não era numerosa, tenho de ser sincero, eram para aí dez pessoas e duas terão aplaudido. Vendi dez livros nessa noite.).
Numa outra situação, após a apresentação de dois contos com referências a Fernando Pessoa, o espectro do poeta de “Orpheu” surgiu num clarão de opacidade luminosa e em tom rancoroso e verdadeiramente transtornado, começou por me insultar, dizendo que “porco és tu, menino da tua mãe (acho que ele me queria chamar fdp, mas deve ter achado demasiado vulgar), como te atreves a chamar-me porco a mim, ou melhor, ao Ricardo Reis, e a insinuares que eu ando a dar beijos de língua à Felinha aqui no outro mundo? Mas quem és tu, canalha, safardana? E que é isso de inscreveres na minha capa de super-herói as letras SS? Ainda pensam que eu pertencia à Schutzstaffel, as SS, organização paramilitar que apoiava Adolf Hitler, e, pior, como alguns dizem, que eu era conivente e apoiante de Salazar e do Estado Novo?” E desapareceu. Nessa noite, ficaram todos mais ou menos assombrados, ninguém bateu palmas e vendi os livros todos (era uma Feira do Livro, já não me lembro onde, e como achava que não viriam mais do que cinco pessoas assistir (afinal, foi um pouco melhor, vieram seis) à minha apresentação, trouxe só cinco exemplares. A sexta pessoa pediu-me, por favor, quase a chorar, que queria o meu livro, que me pagaria ali, e me pedia que lho enviasse por correio. Foi o que fiz.
Na última apresentação desse meu livro, e foi a última por aquilo que passarei a apresentar, enquanto falava do conto “O inferno de Bukowski”, apareceu-me aquele último senhor a quem eu enviei o livro completamente embriagado e, chegando-se a mim, empurrou-me, tirou-me o microfone e pôs-se a insultar o meu livro (e a mim, implicitamente), que o inferno não podia ser assim, que nunca Bukowski seria abstémio nem sofreria de impotência sexual, que eu não tinha nada que desfazer o romantismo do “Romeu e Julieta” de Shakespeare, que eram só idiotices, como é que se podia abrir uma empresa dedicada a subir árvores, que era só fanatismo anti-religioso, perversões e parafilias sexuais, alucinações e absurdismo, merdismo, badalhoquismo e satanismo, que não havia referências à família tradicional, às boas donas de casa que não matam os seus maridos só porque estes lhes querem cheirar as cuecas, que porcaria de confusão de género e identidade era aquela que fez com que um personagem se autoproclamasse como sendo um nenuco de peluche e como é que é possível que uma purisca de cigarro se transforme em barata ou como uma barata se pode transformar em Franz Kafka? E terminou assim: “Eu estou bêbedo, mas ainda vou beber mais e vou procurar mulheres já que Bukowski já nada disto pode fazer.” Bem, para bêbedo, até que articulou bem o discurso. Foi-se embora e embora foram todas as pessoas que lá estavam (eram cinco) com medo de alguma cena de violência. Como consequência, não vendi livro nenhum, mas ainda tenho muitos para vender. Mesmo sem publicidade televisiva (que há-de chegar quando souberem que os fantasmas de Salazar e de Pessoa estiveram nas apresentações do meu livro e depois dos impropérios proferidos por um alcoólico que eu vim agora descobrir que é uma figura pública ligada à política, mas que me abstenho de nomear), quem quer comprar, quem quer? Mandem mensagem privada para kaiserpaulo1972@gmail que eu ofereço os portes para Portugal. Se estão no Brasil, encomendem o livro “Lobo mau ataca a República dos três porquinhos” à editora independente IBIliterrário.