Nos anos 1960 e 1970 teve um grande difusão, de modo geral a partir dos Estados Unidos, e dos processos de decisão sobre aproveitamentos hidráulicos e de investimentos em transportes, o recurso à denominada Análise Custos – Benefícios para a preparação de decisões no domínio das políticas públicas, tendo sido publicados neste âmbito manuais de avaliação de projectos por parte designadamente da OCDE e do Banco Mundial. Foi-se falando também em Análise Multicritérios. A literatura produzida foi chegando a Portugal, e consultores estrangeiros vieram, sobretudo nos anos 1970, ministrar acções de formação que eram essencialmente acções de sensibilização. Noutros casos dirigentes e técnicos portugueses frequentaram acções no estrangeiro. No entanto em finais dos anos 1970 era ainda muito reduzido entre nós o número de quadros com uma formação e experiência aprofundadas no domínio da avaliação de projectos.
Frequentei no Departamento Central de Planeamento uma acção de formação, organizada pela Engª Maria do Céu Guerra, que viria a ser a primeira coordenadora do Núcleo de Análise de Projectos e Racionalização de Decisões Orçamentais – atentem no nome! – do Departamento, conduzida pelo consultor da OCDE Jacques Fayette. O Engº João Mendes Espada, que dirigia os Serviços de Planeamento Sectorial, havia já instituído internamente um procedimento de pontuação de programas e projectos sujeitos anualmente a “visto” de autorização de despesas com alguns traços de análise multicritérios(i). Mas era tudo muito incipiente. Mais tarde, na procura do “full costing”, procurou-se definir com rigor o conceito de projecto, dando-lhe princípio, meio e fim, identificando a curva das despesas plurianuais de investimento, pedindo informação sobre a despesa anual em fase de funcionamento, e até, quando os responsáveis políticos não o proibiam, sobre projectos a lançar em anos seguintes, na óptica de constituição de uma carteira de projectos, sendo de referir também que se preparou a diferenciação entre programas que englobavam projectos a lançar pela Administração Pública e programas de apoio ao lançamento de projectos pelo Sector Empresarial Privado. Mas o Departamento, salvo no caso do acompanhamento do lançamento de projectos do Sector Empresarial do Estado, nunca avaliou grandes projectos.
Para os técnicos e para os académicos, revestia-se de algum interesse na altura a colectânea Cost-Benefit Analysis, organizada em 1972 para a Penguin por Richard Layard, reimpressa com alterações em 1974 e novamente reimpressa em 1976 . Foi esta a versão que adquiri quando comecei a leccionar Finanças Públicas em Económicas(ii). Ocorreu-me voltar a compulsá-la quando peguei na “Avaliação de opções estratégicas para o aumento da capacidade aeroportuária da Região de Lisboa” elaborada pela Comissão Técnica Independente, por incluir uma análise crítica, da autoria de Ezra J. Mishan, datada de 1970, dos trabalhos de outra Comissão, que se propunha na altura estudar a melhor localização de um terceiro aeroporto de Londres(iii). Mishan, que nos deixou há apenas uma dezena de anos – ver o seu obituário no Guardian – e que teve um papel relevante no estudo dos aspectos microeconómicos das intervenções públicas, chama a atenção no seu artigo para os efeitos redistributivos das decisões, que viriam aliás a ter relevância na metodologia de avaliação preconizada pelo Banco Mundial. O artigo mostra que o trabalho de uma Comissão pode e deve ser criticado, sem que se coloquem pedidos de providências cautelares para impedir a publicação dos seus Relatórios Técnicos ou se denunciem os seus membros à Procuradoria-Geral da República como terá sucedido com a CTI portuguesa que recentemente divulgou o seu Relatório Ambiental.
Foi a adesão à CEE, actualmente União Europeia, que obrigou muitos técnicos portugueses a (aprender como) preparar projectos para candidatura a financiamentos comunitários, foi a legislação comunitária que introduziu a obrigação de a avaliação de opções ser tratada como um exercício de avaliação de impacto ambiental. Daí que a CTI tenha procedido a uma “Avaliação Estratégica Ambiental” para discutir a localização do Novo Aeroporto de Lisboa, redenominando a discussão, mais amplamente, como de opões estratégicas para o aumento da capacidade aeroportuária da Região de Lisboa, socorrendo-se em parte de estudos já existentes e identificando todas as políticas, designadamente comunitárias que têm de ser tidas em conta. O Relatório preliminar, ou melhor, um conjunto de relatórios, está em discussão pública e institucional.
Simplificando muito (vale a pena fazer download), foram retidas 8 alternativas de localização, descritas como opções estratégicas (OE), estando identificadas as que foram excluídas e as razões de exclusão:
Opções Estratégicas | Tipo | Descrição |
OE 1 | Dual | AHD principal + Montijo complementar |
OE 2 | Dual/Único | Montijo principal + AHD complementar (com evolução para o Montijo substituir integralmente o AHD) |
OE 3 | Único | CTAlcochete (que substitua integralmente o AHD) |
OE 4 | Dual | AHD principal + Santarém complementar |
OE 5 | Único | Santarém (que substitua integralmente o AHD) |
OE 6 | Dual | AHD principal + CTAlcochete complementar |
OE 7 | Único | Vendas Novas (que substitua integralmente o AHD) |
OE 8 | Dual | AHD principal + Vendas Novas complementar |
Bem como 5 Factores Críticos para a Decisão (FCD), ou sejam Segurança Aeronáutica (FCD 1), Acessibilidade e Território (FCD 2), Saúde humana e Viabilidade Ambiental (FCD 3), Conectividade e Desenvolvimento Económico (FCD 4), Investimento Público e Modelo de Financiamento (FCD 5). Ou seja, é efectuado, sem se utilizar tal denominação, um exercício de análise multicritérios, que não visa eleger “o melhor projecto” através de uma soma ponderada de pontuações, mas essencialmente identificar grandes vantagens e grandes obstáculos. Diga-se a propósito que o Contrato de Concessão da Exploração da ANA à Da Vinci é tratado desenvolvidamente no âmbito de uma discussão tornada necessária pelo estudo das questões conexas com o FCD 5.
Aquando da publicação do Relatório Ambiental preliminar a opinião publicada mostrou que os jornalistas e alguns comentadores não estavam desatentos: a circunstância de a linha de Alta Velocidade ir dar uma voltinha pela outra margem para servir Alcochete e regressar por uma travessia do Tejo que ainda não existe não iria onerar a factura do investimento público? A CTI começou por esclarecer que a travessia Chelas-Barreiro estava prevista nos investimentos ferroviários e não deveria contar para os custos da opção, o que me fez evocar uma história antiga sobre o Complexo do Cachão: perante o argumento que a recolha do leite pelas povoações não era rentável, o à data comandante da Região Militar do Norte disponibilizou as viaturas militares para assegurar tal recolha(iv). Conceda-se que salvo no caso da opção por Santarém, a questão se colocaria sempre e registe-se uma explicação posterior da CTI esclarecendo que o aumento dos custos com a passagem da Alta Velocidade para a margem sul, seria compensada com a redução dos custos originados pela maior dificuldade dos trabalhos na margem norte. Anoto entretanto que numas linhas inseridas no Boletim Municipal do Seixal pelo Presidente da respectiva Câmara se manifesta apoio ao Relatório da CTI no pressuposto de que a terceira travessia será rodoferroviária e não apenas ferroviária. Peanuts?
Há outra peculiaridade no Relatório da CTI que é a de não considerar nos Factores Críticos de Decisão os custos de investimento directamente associados a cada uma das opções estratégicas, mas apenas o valor líquido actualizado para a concessionária decorrente das respectivas opções, sendo que este é sempre positivo, nuns casos mais, noutros casos menos, daí que não seja necessário encarar subsidiação pública (sem prejuízo de, como a CTI reconhece, a questão das taxas aeroportuárias praticadas ser relevante). Foi pedido um estudo jurídico específico do contrato de concessão que detectou numerosos riscos associados à sua gestão e de qualquer forma a CTI, que sabe que a concessionária preferiria uma opção Montijo e combaterá as outras, chama a atenção para a necessidade de, por parte do Estado, existir um único gestor do contrato. Mesmo antes da decisão final sobre a localização a CTI definiu um conjunto de investimentos prioritários no Aeroporto Humberto Delgado. O Governo, por sua vez, antes de passar a fase de gestão por força da aceitação do pedido de demissão do Primeiro Ministro, determinou à concessionária a realização de investimentos, mas não exactamente os mesmos que os previstos pela CTI. E a procissão ainda vai no adro…
Já vi escrito que o Relatório da CTI é para rasgar(v), pois que a palavra final será da concessionária e que qualquer outra via gerará conflitos e obrigará o Estado a gastar muito dinheiro, subvencionando a construção do novo aeroporto ou compensando a concessionária pelo fim da concessão. Aliás António Costa parecia ter desistido de considerar a hipótese de Alcochete, referindo vagamente a existência de compromissos contratuais e insistindo em que os grandes investimentos tivessem sempre um apoio de 2/3, isto é do PS e do PSD. O Tribunal de Contas divulgou há dias uma auditoria à privatização da ANA, cujas conclusões provocaram algum abalo, mas a decisão de privatizar e a falta de cuidado na configuração do contrato terão por si só custos muito superiores ao que se poderá ter perdido em termos de encaixe.
Em relação ao PSD parece ter-se criado um modelo de características profundamente perturbadoras: os seus governos contratam com interesses estrangeiros e estes quando se instalam cooptam uma alta figura do dito PSD para os seus órgãos locais de governação empresarial. Foi assim no caso da Lusoponte com o Engº Joaquim Ferreira do Amaral, no caso da EDP – última tranche com o Dr. Eduardo Catroga, e no caso da ANA com o Dr. José Luís Arnaut, sem que estejam em causa a honestidade pessoal e a capacidade de gestão dos cooptados. Resta saber se se instalou simultaneamente alguma teia subterrânea que criasse dentro do PSD lobbies desses interesses estrangeiros, como p. A forma cândida como Luís Montenegro aceitou a constituição de uma CTI deixa entender que não estaria pessoalmente comprometido, mas é de muito mau agoiro a forma como reagiu aos resultados dos trabalhos da Comissão. Terá Luís Montenegro um lado A e um lado B?
No que diz respeito ao PS – Costa, o apadrinhamento durante anos da opção Montijo, em relação ao qual em 11 de Março de 2020 já escrevi aqui “A irreversibilidade (psicológica) do projecto do Aeroporto do Montijo” foi acompanhado pela mobilização de toda a militância socialista nos concelhos do Norte do distrito para votar, sem debate público, o apoio dos órgãos municipais ao projecto e para eliminar os últimos resistentes comunistas. Até Marcelo Rebelo de Sousa ajudou propondo para o novo Aeroporto o nome de Mário Soares. Como se estivéssemos nos tempos da implantação dos caminhos de ferro e todas as sedes de concelho tivessem de ter uma estação ou pelo menos uma estação que incorporasse o nome da terra ainda que situada a dezenas de km. Ora a implantação de um aeroporto pode induzir algum desenvolvimento (e subidas de preços dos terrenos…) mas em muitos países europeus um aeroporto é uma ameaça ao sossego e uma fonte de poluição e o primeiro-ministro cessante também sabe fazer este discurso(vi). António Costa TEM um lado A e um lado B.
Como nota final, as opções introduzidas pelo projecto de Santarém, que ao que percebi, a CTI considera dentro da esfera de influência da concessionária e que levantam questões de Segurança Aeronáutica, não deixaram de ser avaliadas. Os promotores reagiram prometendo mudar a orientação da pista e até dando a entender que a CTI é que deveria ter divulgado previamente como fazer a proposta… Ainda que o aeroporto fique fora da cidade de Santarém, que, explicou-me um dia um colega economista, fica no centro geométrico do país, poderá ficar no Distrito. É que o Campo de Tiro da Força Aérea fica 20% no concelho de Alcochete – na freguesia de Canha, algo excêntrica em relação ao concelho – e 80 % no concelho de Benavente, como informou o respectivo Presidente, aliás eleito pelo PCP. Portanto o tráfego destinado a Lisboa irá aterrar no Aeroporto Internacional de Benavente mas, por Alta Velocidade, Santarém e até Coimbra ficam perto.
Por nos parecer relevante, voltamos a publicar este artigo
Notas
(i) Totalizando-se os pontos dos vários critérios para definir o sentido da proposta quanto à concessão de “visto”.
(ii) Em acumulação com o Departamento Central de Planeamento convenientemente sediado na Av. D. Carlos I, isto é do outro lado da rua.
(iii) “What’ s Wrong with Roskill ?” in Journal of Transport Economics and Policy, vol 4, nº 3 pp 221-34, 1970
(iv) Ouvi esta história à Engª Elvira Hugon, minha colega no Departamento Central de Planeamento, prematuramente desaparecida, que nessa altura exercia funções no Ministério da Agricultura.
(v) Pessoalmente passei a minha juventude no bairro de Alvalade, próximo do Aeroporto da Portela, e fiz o meu 2º e 3º ciclos no Liceu Padre António Vieira, em que uma vez por aula o professor era interrompido pela passagem de um avião visível da janela. Sempre pensei que nos 50 anos seguintes se desenvolvesse na aviação comercial a descolagem vertical (V.T.O.L.), mas o facto é que não fomos por aí.
(vi) Embora a Câmara do Seixal tenha sempre defendido a opção Alcochete só muito próximo das eleições de 2021 se decidiu a publicar no Boletim Municipal um pequeno mapa explicando que a aproximação dos aviões ao Montijo se faria por cima do concelho.