O poder de compra dos médicos em 2024 é inferior ao de 2011 e ao de 203, e a Ministra da Saúde recusou negociar uma tabela para 2025, e quer aprovar um Decreto-Lei que visa incentivar a violação dos «a limites legais de trabalho extraordinário, pagando aos médicos entre 40% e 70% da sua remuneração por “bloco” de 40 horas feitas a mais. Como se pode atrair assim médicos para o SNS para servir a população?
Neste estudo analiso a perda de poder de compra da remuneração base média dos médicos do SNS de 2011/ 2024 mostrando que foi o dobro da média verificada em todas Administrações Públicas, e também analiso a perda de poder de compra da Tabela de remunerações base mensais de 40 horas semanais dos médicos por categorias e níveis remuneratórios entre 2013 e 2024. E embora o horário normal de trabalho nas Administrações Públicas seja 35 horas semanais, mostro que mais de 81% dos medicos do SNS fazem 40 horas e mesmo 42 horas semanais. E a ministra de saúde recusou negociar com os sindicatos para 2025 uma Tabela remuneratória que atraísse mais medicos que faltam no SNS e condições de trabalho dignas e pretende que os medicos violem os limites legais anuais de trabalho extraordinário fazendo mais 280 horas por ano, e recebendo menos que atualmente e pretende que os médicos violem o limite legal de trabalho extraordinário anual fazendo mais 280 horas, e recebendo por hora menos que atualmente consta do art.º 3º do Decreto-Lei n.º 50-A/2022
Estudo
O poder de compra dos médicos em 2024 é inferior ao de 2011 e ao de 203, e a Ministra da Saúde recusou negociar uma tabela para 2025, e quer aprovar um Decreto-Lei que visa incentivar a violação dos «a limites legais de trabalho extraordinário, pagando aos médicos entre 40% e 70% da sua remuneração por “bloco” de 40 horas feitas a mais. Como se pode atrair assim médicos para o SNS para servir a população?
A ministra da saúde tem se caraterizado pela forma trapalhona e pela falta de competência como tem tratado as dificuldades graves do SNS, nomeadamente a falta de profissionais de saúde, em particular médicos, o que está a ter consequências dramáticas para a população. Primeiro, foi a afirmação insólita e até irresponsável de que “temos lideranças fracas no SNS” metendo no mesmo ”saco” todos os líderes do SNS (administradores, dirigentes e chefias clínicas), e onde certamente se incluía, pois esteve na administração do Hospital de Santa Maria, para poucos dias depois vir desculpar-se dizendo que “tinha sido mal interpretada”. Depois, foi a confusão nas cirurgias oncológicas, afirmando que o número de doentes em lista de espera que ultrapassavam o TMRG (Tempo Máximo de Resposta Garantido) eram 9354 (que consta até da pág. 26 do Plano de Emergência da Saúde) quando afinal eram 2645. Em seguida, foi a recusa em negociar com os sindicatos dos médicos remunerações dignas para 2025 que atraíssem médicos para o SNS, cuja falta é o principal problema, para poucas horas após a marcação de uma greve pela Federação Nacional dos Médicos (FNAM), vir dizer “que há margem para negociar e que Governo tem porta aberta nestas negociações” com os sindicatos, quando antes se tinha recusado a incluir a grelha salarial no protocolo de negociações. A falta de conhecimentos, o dar por não dito o que foi dito, as contradições, etc. revela; para empregar as próprias palavra da ministra, que o Ministério da Saúde tem uma “liderança fraca” e com pouca competência.
A PERDA DE PODER DE COMPRA DOS MEDICOS DO SNS FOI MUITO SUPERIOR À MÉDIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A Direção Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP) do Ministério das Finanças publica todos os trimestres dados sobre o número e as remunerações médias dos trabalhadores das Administrações Públicas.
Foram dados referentes ao 1º trimestre de 2024 que utilizamos para construir o quadro 1
Quadro 1 – A perda de poder de compra da Remuneração Base Média Mensal ILIQUIDA e LÍQUIDA dos trabalhadores de todas as Administrações Públicas (Central, Local e Regional) e dos médicos do SNS entre 2011/2024
Os médicos foram um dos grupos profissionais da Administração Publica que viram o poder de compra das suas remunerações base mensais mais diminuir. Como revelam os dados do quadro 1, que têm como base as remunerações base médias mensais divulgadas pela Direção Geral da Administração e Emprego (DGAEP) referentes ao 1º trimestre de 2024, entre 2011 e 2024, o poder de compra da remuneração base média ilíquida, portanto antes de qualquer desconto (CGA/SS, ADSE, IRS), de todas as Administrações Públicas diminuiu -7,3% enquanto as dos médios caiu -16%, mais do dobro. Em relação à remuneração base média líquida, ou seja, após deduzir a contribuição para a CGA ou Segurança Social, para a ADSE e o IRS, entre 2011 e 2024, o poder de compra de toda a Administração Pública diminuiu em -10,6%, enquanto a dos médicos, no mesmo período, reduziu-se em -18,5%.
Esta diferença de perda de poder de compra que é elevada entre os vários grupos profissionais da Administração Pública deve ter tido como causa não só um reduzido aumento dos valores da Tabela Única Remuneratória da Administração Pública (entre 2009 e 2024, apenas foi aumentada em 5,9%) mas também devido ao facto da inaplicabilidade do SIADAP aos médicos o que dificulta a ascensão na carreira determinando a concentração dos médicos especialistas na categoria mais baixa (assistentes) e os baixíssimos salários pagos aos médicos internos.
A PERDA DE PODER DE COMPRA DA TABELA REMUNERATORIA DOS MEDICOS DO SNS DE 2013/2024 E A MAIORIA DOS MÉDICOS TRABALHAM NO SNS 40 HORAS POR SEMANA QUANDO O HORÁRIO NORMAL NA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA É 35 HORAS
Segundo dados fornecidos à Federação do Sindicatos da Administração Pública (FNAM) pelo Ministério da Saúde em 2023, dos 31471 médicos que tinha o SNS, 22600 (71,8%) tinham o horário semanal de 40 horas, e 2845 (9%) trabalhavam 42 horas por semana. Apenas 3668 (11,6%) tinham horário de 35H/semanais e 2358 médicos estavam a part-time (20H/semana) Apesar da sobrecarga horária a que estão sujeitos a maioria dos médicos do SNS (81%), a remuneração base média mensal dos médicos era muita baixa (em 2024, após a dedução das contribuições para a CGA ou Segurança Social, para a ADSE e pagamento do IRS, ou seja, a remuneração média liquida era apenas 1869€ segundo os dados divulgados pela DGAEP), e têm perdido de uma forma continuada poder de compra desde 2011 como revela o quadro 1. No quadro 2 que se apresenta seguidamente não estão incluídos os 10640 médicos internos, com remunerações brutas entre os 1752€ e 2349€ em 2024 porque os sucessivos governos têm recusado em os integrar nas carreiras médicas (mais uma injustiça). O quadro 2 sobre abrange os médicos especialistas (21010).
Quadro 2 – A Perda de poder de compra da Tabela de remuneração base mensal dos médicos no período 2013 a 2024
No quadro 2 consta a Tabela de remuneração especifica que se aplica aos médicos especialistas do SNS (hospitais e Centros de Saúde), que entrou em vigor em 1/1/2013 e a em vigor em 2024 (colunas a amarelo). Na coluna a azul está a Tabela de remunerações base dos médicos de 2024 a preços de 2013, ou seja, a Tabela de 2024 a que se deduziu a inflação verificada entre 2013 e 2024. Nas duas colunas à direita estão as perdas em euros (a vermelho) pelos médicos em 2024 a preços de 2013 e a preços atuais de 2024. E a conclusão que se teria dos dados do quadro 2 é a seguinte: os médicos especialistas em 2024, para terem o mesmo de poder de compra que tinham em 2013, com a Tabela que entrou em vigor no início deste ano, teriam de receber em 2024 mais entre 48,4€ (o nível mais baixo da categoria de ”assistente”) e 369,16€ (o nível mais elevado da categoria de “assistente graduado sénior”) como consta da última coluna à direita do quadro. Fazendo contas os médicos especialistas do SNS vão perder só em 2024 mais de 37 milhões € (é apenas uma estimativa não rigorosa pois não dispomos de dados das remunerações base recebidas por cada médico, mas é já bastante esclarecedora ) que deviam receber só para manterem o poder de compra de 2013. E não consideramos os 10461 “médicos internos” com remunerações baixíssimas e mesmo indignas.
O GOVERNO QUER APROVAR UM DECRETO QUE VISA COMPENSAR OS MEDICOS QUE VIOLEM OS LIMITES LEGAIS ANUAIS DE REALIZAÇÃO DE HORAS EXTRAORDINARIAS COM UMA COMPENSAÇÃO ENTRE 40% 70% DA REMUNERAÇÃO BASE DO MÉDICO
Perante a recusa em negociar com os sindicatos dos médicos remunerações e condições de trabalho dignas, incluindo o horário de trabalho, o governo numa corrida para a frente, o que é também uma prova da sua incompetência, pois a sua “solução” não vai resolver os graves problemas resultantes da falta de profissionais de saúde, nomeadamente de médicos, no SNS, resolveu elaborar um decreto-lei que concede aos médicos especialistas que façam mais horas extraordinárias do que os limites previstos na lei (250 horas para os médicos que aceitaram a dedicação plena cujo numero é inferior a 5000 num universo 21000, e 150 horas anuais para os restantes) uma compensação por cada pacote de 40 horas extraordinárias que façam a mais para além dos limites legais anuais.
Essa compensação para violar os limites legais varia entre 40% da remuneração base do médico (1º bloco de 40 horas) e 70% (7º bloco de 40 horas). No fundo, o que a ministra da saúde pretende é que os médicos façam mais 280 horas de trabalho extraordinário para além dos limites legais de trabalho extraordinário (o limite legal 250 horas passaria a 530 horas e o limite legal anual de 150 horas aumentaria para 430 horas de trabalho extraordinário). E isto para além dos horários normais de trabalho de 40 horas/semanais a que a maioria dos médicos já estão a fazer. E pagar menos que o valor/hora/extraordinária previsto no art.º 3º do Decreto-Lei n.º 50-A/2022 (na maioria dos blocos, o valor é inferior, para concluir isso basta dividir compensação do bloco por 40). Seria um SNS apoiado em trabalho extraordinário mais barato dos médicos para além limites legais, previsivelmente com consequências graves para segurança dos utentes (quantas mais horas os médicos trabalharem para além do período normal de trabalho, maior é o cansaço e maior é probabilidade de cometer erros fatais para os doentes), para os próprios médicos (”Burnout”, que diminui a produtividade e aumenta o risco para o próprio e para os outros, impossibilidade de ter uma vida familiar equilibrada, etc.).
Será este “ O Plano de emergência e Transformação da Saúde” do atual governo tão apregoado na campanha eleitoral? A ser só pode agravar ainda mais o que estava mal no SNS, e revela incapacidade para resolver os problemas que enfrenta o SNS que está a ter consequências dramáticas para a população no acesso cada vez mais difícil a serviços de saúde.