George Clooney, raptado por comunistas?!
Light entertainment abençoado é a expressão que poderemos usar se quisermos resumir da forma mais breve Salve César, o filme dos irmãos Coen, seleccionado para abrir o 66º Festival de Berlim (com estreia marcada para o próximo dia 25 de Fevereiro) e concebido como uma saborosa homenagem aos anos 50, também conhecida como a época de ouro do cinema americano, dominada pelas grandes produções de época. Como seria de esperar, o elenco é estratosférico, ainda que em muitos casos com um papel reduzido a meras ‘cameos’ ou escassas cenas.
Mas, atenção, isso não significa que Salve, César! seja um projecto menor. A trama centra-se na história verídica do fixer devoto Eddie Mannix, o executivo que se notabilizou por defender a vida privada das estrelas de Hollywood (e que acabou por ser vice-presidente dos estúdios da MGM – Metro Goldwyn Mayer), ‘camuflando’ qualquer aura de escândalo, numa composição bem defendida por Josh Brolin.
Na verdade, o filme funciona mesmo como uma espécie do dia-a-dia de Mannix, e abre até com ele a confessar-se, duas horas depois da sua última confissão, por ter sucumbido ao vício do tabaco. De resto, esta orientação religiosa acabará por ser aproveitada de diversas formas. Seja o genial momento de discussão religiosa entre os diversos conselheiros religiosos ao filme Hail, Caesar!, subtitulado Um Conto de Cristo, bem como uma inesperada reunião de simpatizantes bolcheviques empenhados na difusão da religião do Kapital, de Marx. Mas já lá vamos…
Na sua função de apagar todos os fogos, Mannix terá de acudir à diva DeeAnna Moran (uma aproximação à estrela de sequências aquáticas Esther William) para que adoptasse o próprio filho, depois de o dar para adopção, naturalmente.
Mas há mais, este homem incansável terá ainda de satisfazer e temperar a curiosidade das gémeas cronistas sociais Thora e Thessaly Thacker, ambas asseguradas com a elegância primorosa de Tilda Swinton.
Pelo meio da sua deambulação pelos diferentes sets para perceber se tudo corre bem, veremos Channing Tatum numa pose de Gene Kelly entregue a um magnífico número de sapateado rodeado de marinheiros – ele que jurou na conferência de imprensa ter apenas aprendido sapateado para o filme – se bem que a estrela cowboy do estúdio (Alden Ehrenreich, em pose de Roy Rogers) nos seduzirá com com os seus jogos de laço, mas bem menos pela dicção sofisticada exigida pelo peculiar realizador Laurence Laurentz, numa genial prestação de Ralph Fiennes.
No entanto, a maior responsabilidade pela trama do filme acabará por ser mesmo para George Clooney, ou melhor, Baird Whitlock, a estrela máxima do estúdio, ainda que algo cabotino, como o protagonista deste épico romano que acabará rendido aos pés do Jesus crucificado. Só que antes dessa cena será raptado por ‘figurantes’ que o introduzem num ‘complot’ arquitectado por uma célula comunista.
Na conferência de imprensa, um divertido Clooney confessaria: gosto da forma como os Coen gozam comigo. Sim, ele que já fora ‘vítima’ em Irmão, Onde Estás? e Crueldade Intolerável. Vê-lo a tentar acertar o diálogo diante do Cristo crucificado é de ir às lágrimas.
Ele que quase acabará por ceder aos mandamentos dos seus captores, para desespero de Mannix.
É claro que no meio deste deambular entre histórias, acabamos por reter pequenos momentos, uma torrente de pérolas, como chamaria uma jornalista visivelmente impressionada no encontro com a imprensa.
Não iríamos tão longe, até porque do ponto de vista de alfinetada política o filme poderia ter sido um pouco mais ambicioso.
Um aspecto algo temperado pela atitude dos Coen ao serem chamados a antecipar uma reacção se Donald Trump viesse a ganhar as eleições. Algo que Joel Coen encarou como sendo algo que pertence ao reino do surreal, sendo que Ethan rematou dizendo que o George tem melhor cabelo.
Esta viagem ao interior do modo de produção de Hollywood dos anos 50, não deixa de ter o lado adequado para início de festival. Lá está, ainda que apenas em modo light.