A regular publicação de notícias pouco optimistas avoluma as nuvens da incerteza sobre a transição verde. Sejam elas provenientes, ou não, dos patrões da indústria, o certo é que uma conjuntura populista altamente favorável aos seus detractores e opositores tem alimentado um clima de dúvida que as irreflectidas reacções dos seus defensores nada contribuem para acalmar ou inverter.
Se é verdade que o populismo tem vindo a ameaçar as metas ambientais da União Europeia, não é menos verdade que o Green Deal gizado em Bruxelas sofre desde a primeira hora da pecha fundamental de representar mais um programa criado por burocratas profundamente desligados da realidade económica e social que os rodeia. Depois do completo fracasso que foi o processo de ratificação de uma Constituição Europeia – prontamente abandonada em 2005 na sequência das rejeições nos primeiros referendos realizados em França e na Holanda –, Bruxelas mostra nada ter aprendido e volta a lançar um programa de grande envergadura à revelia das populações e das suas aspirações. Apresentado como um farol de esperança e desenvolvimento, o programa de descarbonização da economia europeia foi apresentado sem uma fundamentada avaliação dos custos, sustentado numa crença ambientalista e, pior, no idealismo que a Europa tinha capacidade política e económica para liderar um processo daquela natureza e dimensão.
O cenário é hoje muito menos amistoso e até na Alemanha, o país de origem da presidente da Comissão Europeia, a transição verde é vista com reserva, senão com antipatia. É que a par com incerteza sobre a sua economia estão a crescer as evidências da incapacidade de resposta das soluções de produção de energia alternativas – em finais do ano passado foram reactivadas as centrais eléctricas a carvão – e, constatadas as limitações da solução eólica e solar devido à forte dependência do clima, a razão não derivará apenas do corte no fornecimento do gás russo na sequência do confronto na Ucrânia. As situações de carência energética deverão agravar-se se os países vizinhos de onde os alemães importam energia (principalmente a França e os países escandinavos) a acompanharem no processo de descarbonização e também começarem a dispor de menores volumes de energia para exportar, o que já se começou a fazer sentir nos vizinhos Holanda, Bélgica e Dinamarca, também eles afectados por condições atmosféricas adversas, o que poderá representar uma limitação climática à escala da UE (ou pelos menos da sua região central, a mais rica e industrialmente desenvolvida) com um elevado impacto económico, tanto mais que não existe actualmente um sistema energético interligado à escala da UE.
E esta é apenas mais uma falha (grave) do Green Deal. Além do grande amadorismo na elaboração do roteiro, o dogmatismo dos seus proponentes tê-los-á levado a sobreavaliar as capacidades dos sistemas alternativos, como o eólico e o solar, e a ignorar por completo a necessidade de recurso, pelo menos no curto ou médio prazo, à opção nuclear e nem mesmo com a abrupta interrupção no abastecimento de gás russo contemplaram minimamente tal hipótese. A incerteza assim criada está a contribuir para a crescente oposição às políticas de transição energética na Alemanha e a alimentar o populismo europeu, como se viu pelos resultados das últimas eleições, onde a AfD (Alternativa para a Alemanha), de extrema-direita, obteve grandes ganhos, tornando-se o segundo maior partido, à frente dos três partidos no governo de coligação no poder.
As crescentes dúvidas sobre a segurança energética, o aumento dos custos da energia e as preocupações sobre a competitividade da Alemanha têm alimentado uma onda nacionalista de direita que contesta cada vez mais a liderança europeia, personificada na presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, a mesma que em 2019, no lançamento do Green Deal e sem demonstrar o menor esforço para conquistar os corações e as mentes dos cidadãos europeus, não hesitou no apelo para que estes protegessem o planeta mudando o seu estilo de vida. Esta sobranceria da nomenclatura bruxelense está a transformar-se no principal combustível do populismo europeu, com a Itália, a Holanda e a Polónia a destacarem-se entre os países que lideram o esforço para o travar e aos quais se pode juntar uma Alemanha, que nem depois de apoiar o levantamento ao limite à venda veículos a combustão a partir de 2035 conseguiu suster o crescimento da influência da AfD.
Depois de ser apontada como um modelo para o resto do mundo, de ter levado a opção da energia eólica e solar para a vanguarda entre as principais economias mundiais e de ter decidido o encerramento das suas centrais nucleares, a Alemanha vê agora a sua produção energética entrar em crise e ameaçar arrastar todo o conjunto da economia, reforçando as críticas populistas. Perdida a aura que rodeou a iniciativa do Green Deal e comprovada a fragilidade das soluções propostas, o programa da transição energética não está no bom caminho no que diz respeito ao fornecimento de electricidade, seja porque a segurança do seu fornecimento está comprometida, seja porque ela é mais cara e o governo não parece capaz de avaliar de forma abrangente o impacto global da transição energética.