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Segunda-feira, Dezembro 30, 2024

Ano Novo – Ano Velho | Parte II

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Prestes a iniciar o ano que encerra o primeiro quartel deste século e perante um cenário como o que vivemos, com uma guerra nas fronteiras da UE e a fragilização das suas duas maiores economias, a viverem uma situação de declarada crise política, haverá fundadas razões para as tradicionais mensagens optimistas de fim-de-ano?

Embora não faltem estudos e relatórios que apresentam diagnósticos e sugestões, a UE não se tem mostrado capaz de gizar e aplicar uma política conjunta para enfrentar os desafios globais; o mais recente dos trabalhos sobre o tema é o Relatório Draghi, no qual o ex-presidente do BCE aborda particularmente o estado da competitividade europeia, nele identificando três grandes áreas de ação para relançar o crescimento sustentável da UE: 1) colmatar o défice de inovação em relação aos EUA e à China, especialmente no domínio das tecnologias avançadas; 2) estabelecer um plano conjunto para a descarbonização e a competitividade; 3) aumentar a segurança e a redução das debilidades e dependências.

Perante um diagnóstico onde se destaca o atraso tecnológico e a decrescente atractividade europeia (situação particularmente evidente após a crise das dívidas europeias), propõe como objetivos a recuperação das competências europeias na área das novas tecnologias e a aposta na educação e formação. Defende ainda a complementaridade entre a competitividade e a descarbonização e propõe um plano para as indústrias europeias produtoras de energia e que contribuam para a descarbonização, como as tecnologias limpas e o sector automóvel.

Para combater a grande dependência dos fornecedores de matérias-primas essenciais e de tecnologia digital, maioritariamente oriundos do continente asiático, Draghi propõe uma “política económica externa” conjunta capaz de estabelecer acordos comerciais preferenciais com nações ricas em recursos, de constituir reservas nessas áreas críticas e de criar parcerias industriais capazes de garantir a cadeia de abastecimento de tecnologias-chave.

Para financiar todas as necessidades (valor que a Comissão Europeia já estimou entre 750 e 800 mil milhões de euros, o equivalente a 4,4 ou 4,7% do PIB da UE em 2023), Draghi defende uma emissão conjunta de dívida da UE, semelhante ao modelo utilizado pelo Mecanismo de Recuperação e Resiliência.

A reacções foram mistas, nem entusiásticas nem muito críticas – a maior parte dos especialistas reconhece a precisão da análise e a justeza das ideias, mas também a montanha de escolhos – o menor dos quais até será a burocracia europeia – que a sua implementação iria enfrentar, mas uma das mais interessantes, ou interesseira, foi a do patronato luso que, elogiando o relatório Draghi tratou logo de pedir apoios públicos para os investimentos do sector privado, assim deixando bem claro aquele que poderá ser o destino final do trabalho: apoiar o capital privado para assim lhe reduzir o risco e aumentar os lucros!

O Relatório Draghi, como tantos outros trabalhos e pesquisas, pode ser extremamente bem-intencionado, traduzir análises correctíssimas da realidade observada e apresentar até soluções viáveis, mas confrontar-se-á com a dura realidade. E em 2025 ela será quase seguramente a de um panorama político e económico pouco favorável para a Europa. As relações com a China, o seu principal parceiro comercial, estão a arrefecer visivelmente e a prometida política proteccionista da administração Trump – cujas recentes ameaças de novas tarifas se a UE não comprar mais gás e petróleo norte-americano, já assumem públicos contornos da mais descarada chantagem – não prefigura nada de bom.

A esta instabilidade junta-se ainda a incógnita relativamente ao futuro modelo de segurança europeu. Dentro do quadro euro-atlantista (visão que tem prevalecido em quase todas as capitais nacionais da UE), com a NATO, ou sem ela, a perspectiva imediata é a da necessidade do aumento das despesas militares – a diferença será apenas a de saber se o “investimento” termina nos cofres do aparelho militar-industrial norte-americano ou se é desviado para a formação de um congénere europeu – num quadro de fraco ou nulo crescimento económico da união, facto que não impediu o secretário geral da NATO, o holandês Mark Rutte, a apelar descaradamente a que os europeus “façam sacrifícios” para aumentar despesas com a defesa, nem que seja preciso fazer cortes nas suas pensões, na saúde e na segurança social para aumentar as despesas com a defesa.

Desindustrializada, descapitalizada, desinformada, confrontada com uma crescente agitação político-social e ao toque das “trombetas da guerra” (que já juntaram parte do Médio Oriente – o Levante – à Ucrânia), a UE arrisca-se a escolher o desvio dos seus parcos recursos – sejam eles resultantes de operações de mutualização de dívida, ou não – de programas orientados para as tão necessárias reindustrialização e descarbonização para programas de rearmamento que, por muito que possam contribuir para a investigação e desenvolvimento europeus, nunca poderão prefigurar o crescimento económico e o desenvolvimento saudável de qualquer sociedade que se queira justa e equitativa.

 

Ano Novo – Ano Velho | Parte I

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