A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa criou há algum tempo salas-museu consagradas a dois dos seus professores – Marcelo Caetano (direito administrativo) e Paulo Cunha (direito internacional privado) – que foram, ambos, Reitores da Universidade de Lisboa, pertenceram, ambos, à presidência da Câmara Corporativa, o primeiro como Presidente e o segundo como um dos vice-presidentes, para além de terem exercido funções governativas ministeriais no âmbito do Estado Novo, tendo Marcelo, como é conhecido, sido o segundo e último Presidente do Conselho de Ministros na vigência da Constituição de 1933.
Quando me encontrava a investigar a sucessão de Secções Nacionais Portuguesas do Instituto Internacional de Ciências Administrativas (As Secções Nacionais Portuguesas do Instituto Internacional de Ciências Administrativas 1908-2012) surgiram-me naturalmente interrogações sobre o papel de Marcelo Caetano, que foi integrado em 1936 numa secção preparatória da realização de congressos internacionais de ciências administrativas criada em 1928 mas cuja dinamização só teve lugar a partir de uma Mesa Redonda do IICA realizada em Lisboa em 1949, nas instalações da Assembleia Nacional, tendo o livro que publiquei em 2019 reproduzido na capa uma das sessões dessa Mesa Redonda(i).
Do ponto de vista arquivístico:
- a documentação existente no Ministério do Interior – Direcção-Geral da Administração Política e Civil, encontra-se na Torre do Tombo, mas a partir da Mesa Redonda de 1949 a documentação da Secção Nacional passou a ser produzida separadamente sendo embora o Secretário da Secção o subdirector-geral da administração política e civil, Mário Mathias;
- a documentação existente no Ministério dos Negócios Estrangeiros está dispersa por vários arquivos incluídos no Arquivo Histórico – Diplomático e nalguns casos encontrava-se na posse da Delegação da Contabilidade Pública junto do Ministério;
- o Arquivo Marcelo Caetano na Torre do Tombo, organizado com o apoio da família, apenas incluiu um documento relacionado com o Instituto, mais precisamente cópia de um ofício enviado ao Instituto Internacional pela Reitoria da Universidade de Lisboa disponibilizando-se para assegurar o apoio a uma Mesa Redonda que veio a realizar-se em Lisboa em 1961;(ii)
- a documentação recebida ou expedida por Marcelo Caetano ou pelo Director-Geral da Administração Política e Civil, António Pedrosa Pires de Lima, em relação com a actividade do Instituto Internacional terá integrado a documentação à guarda da Secção e terá sido transferida em 1968 para a associação científica Instituto Português de Ciências Administrativas reconhecida nesse ano.
Na altura em que a minha investigação se encontrava em curso soube estar em preparação na Faculdade de Direito um esforço de identificação de documentação relacionada com o ensino de Marcelo Caetano.
No entanto também a Faculdade não conservará documentação relativa a interacções com o Instituto Internacional ou não se terá especificamente procurado recolher esta.
Ocorrem-me dois aspectos específicos que talvez pudessem estar documentados
- Marcelo Caetano, já eleito no Congresso de Berna, de 1947 (quinto) vice-presidente do Instituto Internacional de Ciências Administrativas mediante lista liderada pelo suíço Óscar Leimgruber não compareceu no Congresso de Florença/Roma, de 1950, apesar de designado para o efeito pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, tendo contudo sido abrangido pela recondução da direcção do Instituto, efectuada na mesma ocasião; será que tal se deveu à inclusão posterior na delegação de José Gabriel Pinto Coelho, também professor da Faculdade, a exercer funções de Reitor?(iii)
- tendo participado pela última vez no Congresso de Istambul, de 1953 (terá participado também no Congresso de Madrid era Ministro da Presidência) o seu nome continuou a ser invariavelmente indicado na delegação portuguesa aos vários Congressos e Mesas Redondas, mas nunca compareceu invocando, também invariavelmente, trabalho de natureza académica relacionado com as segundas épocas de exames.
Na actual organização encontram-se instaladas no 2º andar da Faculdade duas salas-museu, uma relativa a Marcelo Caetano, outra relativa a Paulo Cunha.
Existe também a possibilidade de uma visita virtual.
No início de 2004 contactei a Faculdade de Direito de Lisboa no sentido de marcar uma visita à Sala-Museu Marcelo Caetano. Teve de ser combinada um horário compatível com a disponibilidade do professor responsável(iv) que amavelmente me guiou por um embrião de arquivo histórico, pela Sala-Museu Paulo Cunha, e pela Sala-Museu Marcelo Caetano.
A apresentação, num total, se tanto, de meia hora, foi muito empenhada, simpática e instrutiva. Fiz poucas perguntas, mas dias depois deixei na Faculdade, como oferta ao meu interlocutor, exemplares de As Secções Nacionais Portuguesas do Instituto Internacional de Ciências Administrativas (1908-2012) e de A Intendência-Geral do Orçamento. História de um Organismo que Nunca Existiu (1929-1996), tendo obtido feed-back. A História pode ser um bom potenciador de diálogos…
A propósito das salas-museu, já tinha tido ocasião de contactar com opiniões que pediam o seu encerramento, apresentando-as como uma celebração do Estado Novo(v). Não me parece que a Sala-Museu Marcelo Caetano, aliás resultante de um acordo com a família(vi), tenha esse carácter. Talvez o espaço mereça ser complementado com a digitalização de todos os trabalhos conhecidos de Marcelo Caetano e de todos os trabalhos e debates sobre Marcelo Caetano, a começar por Marcello Caetano – Uma biografia política, do Doutor José Manuel Tavares Castilho, com prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa(vii).
Prefácio de onde destaco:
Como todas as escolhas, a efectuada pelo autor tem custos
Subalterniza domínios relevantes para a visão global do biografado – já que o político é inseparável do homem e do académico – deixa, de quando em vez, a sensação de que as densas citações de textos, esbate os dados de mudança de ideias e posturas em homenagem ao acesso constante às posições de partida e, sobretudo, vive dominada pela preocupação de responder a uma questão nuclear: por que se passou o que se passou entre 1968 e 1974.Em termos mais específicos, ficam, por exemplo, mais pobres períodos políticos menos interessantes para o entrecho – como a Mocidade Portuguesa e, especialmente, o Ministério das Colónias – menos ricos de textos políticos – como a travessia do deserto dos anos 60 e os anos 70 no Brasil – ou de dimensões não políticas públicas da governação como as económicas, sociais e administrativas, quer do Ministro da Presidência, quer do Presidente do Conselho de Ministros.
Escrevi “todos os trabalhos e debates sobre Marcelo Caetano” com alguma dose de ironia, uma vez que o seu número é vastíssimo.
Em António de Magalhães Ramalho, Fundador do INII e pioneiro da investigação industrial, bem construído e bem documentado, que se deve a sua filha Margarida de Magalhães Ramalho, pode ler-se(viii):
No dia em que foi anunciada a substituição de Salazar por Marcello Caetano, Magalhães Ramalho comentou preocupado à mulher e à filha mais nova que se encontravam com ele de férias na Ericeira. “Não consigo confiar neste homem, tem qualquer coisa de sub-reptício. E não é capaz de olhar de frente para ninguém, olhos nos olhos”. Não se enganou muito.
Enfim…
Quanto a escritos da autoria de Marcelo Caetano, não os tenho coleccionado.(ix) Outro dia deixei-me seduzir contudo por um título Páginas Inoportunas (“textos dispersos escritos no decurso de vinte e tal anos…”) saído na Bertrand, sem data, reunindo um conjunto de ensaios.
Desses, retenho “Garrett Administrativista no Conselho Ultramarino”, onde o autor discute os contributos de Garrett para as reformas da Administração Pública esboçadas durante o liberalismo, o seu papel na Regeneração, a sua nomeação em 1851 como vogal do então restaurado Conselho Ultramarino (lugar remunerado), o seu contributo para a redacção do Acto Adicional de 1852 à Carta Constitucional (para conciliar as famílias liberais desavindas), e a sua nomeação com par do Reino e Ministro dos Negócios Estrangeiros, cargo que manteve apenas durante alguns meses.
Não me lembro de ter estudado isto no Liceu, e fico grato a Marcelo Caetano por este seu ensaio.
Regressando às Mesas Redondas do Instituto Internacional de Ciências Administrativas realizadas em Lisboa em 1949 e 1961, a primeira das quais teve lugar no Palácio da Assembleia Nacional e a segunda no Hotel Tivoli. Identifiquei no artigo Independentes na Reforma Administrativa aqui publicado em 30 de Outubro de 2024, Edgard dos Santos Matos como elemento externo ao IICA que foi integrado na Comissão Executiva da Mesa Redonda de 1961 porque consegui encontrar elementos biográficos sobre este técnico. Contudo não incluí nos “Independentes na Reforma Administrativa” um “Professor Doutor Oliveira Cabral” que o Diário de Notícias da época diz ter sido o Secretário-Geral da Mesa Redonda de 1949. Isto porque não encontrei mais nenhuma referência a esta personalidade.
Permiti-me recorrer ao Professor que me conduziu na visita às Salas-Museu na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que prontamente respondeu:
Os professores da FDUL que se doutoraram entre 1913 e 2013, incluindo a geração coimbrã, encontram-se todos referenciados na colectânea A Faculdade de Direito de Lisboa no seu Centendondaário, vol. II – Os Doutores, Lisboa, ed. FDUL, 2013 (coordenação de Martim de Albuquerque, Luís Waldyr e GSM). Deste rol não consta o Professor Oliveira Cabral.
Falha presumível do Diário de Notícias que terá atribuído ao secretário geral da Mesa Redonda uma “patente” mais elevada. E , certamente, falha minha ao não ter recorrido a essa colectânea, que me foi mostrada quando visitei a sala do Arquivo Histórico.
Notas
(i) Reprodução gentilmente autorizada pelo Arquivo Histórico Diplomático.
(ii) A pags 238 a 241 do livro “As Secções Nacionais Portuguesas…”, a descrição do que terá sucedido a estes arquivos.
(iii) Marcelo Caetano já a propósito do Congresso de Berna tinha chamado a atenção num Relatório ao MNE para a circunstância de a delegação portuguesa nomeada ter tido de declarar na Embaixada de Portugal que não tinha chefe. Posteriormente os documentos do MNE passam a referir-se a Marcelo como Presidente da Secção Portuguesa no IICA mas nunca consegui identificar o acto que lhe conferiu tal qualidade.
(iv) Gonçalo Sampaio e Mello, Doutor em Direito, especialidade de Ciências Histórico-Jurídicas, Professor Associado.
(v) Por exemplo, artigo de opinião no Público de 12 de Outubro de 2023 Ainda se celebra o Estado Novo na Faculdade de Direito
(vi) O Dr. Miguel Caetano tem sido incansável a explicar que o seu Pai não era um democrata.
(vii) Edições Almedina, 2012.
(viii) By the Book, 2014. Citação da página 158.
(ix) Aceitando em todo o caso as valiosas sugestões do seu filho Dr. Miguel Caetano, a quem tenho feito as devidas referências no que tenho publicado.