Em Timor-Leste, aqueles que não gostam da CPLP, sem fundamentação científica séria, iniciaram uma campanha contra a língua portuguesa e tentam, sem eficácia, convencer estudantes e docentes de que a decisão do MESCC na defesa da língua portuguesa está errada.
Ora bem, a decisão do Ministério do Ensino Superior, Ciência e Cultura (MESCC) na aposta da língua portuguesa, para além de respeitar a constituição da RDTL, está certíssima!
Na qualidade de doutor e mestre em educação pela Universidade de Lisboa, professor e investigador do ensino superior com vasta experiência, principalmente em Angola e em Timor-Leste, cidadão timorense, nacionalista com provas dadas e reconhecidas pelo contributo à libertação nacional, considero que há necessidade de explicar a verdade dos factos, com coerência histórica e política, mas, acima de tudo, elucidar com ciência e com pedagogia.
As alegações defendidas por tais cidadãos baseiam-se em insignificâncias, algumas até caricatas, outras, demagógicas, na tentativa fracassada de agradar ou manipular os observadores menos atentos.
Considero que os argumentos apresentados por aqueles que não gostam da língua portuguesa no ensino superior, note-se, têm rejeição à CPLP, tomam posições públicas e produzem afirmações sem qualquer fundamentação científica séria, como passo de seguida a clarificar.
Português deve ser a língua de ensino com apoio do tétum
A Lei Nº 6/2024 de 17 de Julho (Lei de Bases do Ensino Superior) promulgada no Jornal da República de Timor-Leste, Série I, Nº 29, através do seu Artigo 11º, refere o seguinte:
- As línguas de instrução e ensino no ensino superior são o tétum e o português (Ponto 1);
- Sem prejuízo do previsto no número anterior, a principal língua de instrução, o ensino e a investigação no ensino superior é o português, devendo ser utilizado o tétum como língua de apoio (Ponto 2).
Em primeiro lugar, ao contrário do que está a ser (erradamente) tornado público, não há qualquer violação da Constituição da República Democrática de Timor-Leste porque não se proíbe a utilização do tétum (leia-se: tétum praça).
O principal motivo pelo qual o português deve ser a língua de ensino prende-se com o facto de que o ensino é sempre referente a uma ciência e o tétum praça, como língua franca, não se encontra desenvolvido para explicar ciência, razão pela qual recorre a empréstimos linguísticos para suprir as suas lacunas quer em termos de estrutura, quer em termos de vocabulário.
Isso, por si só, deveria ser motivo suficiente para não se seleccionar o tétum como língua preferencial de ensino.
Sobre esta matéria já tive oportunidade de dialogar com eminentes especialistas na área, timorenses e portugueses, doutorados por universidades de Portugal e da Austrália, onde se incluem Sabina Fonseca (UNTL), Doutora em Ensino do Português pela Universidade Nova de Lisboa e, muito em particular, com Célia Maria da Silva Oliveira (UNDIL), Doutora em Ciências da Cultura pela Universidade do Minho, e estas duas especialistas subscrevem idêntica opinião.
Mas há outros especialistas de elevado nível científico e intelectual, como Benjamim Araújo de Corte-Real, Doutor em Linguística pela Macquarie University, uma universidade da Austrália, entre outros, e todos eles explicam de forma científica que o correcto deve ser ensinar em língua portuguesa porque o tétum, como língua franca, não está suficientemente desenvolvido. Aliás, a UNTL criou o Instituto Nacional de Linguística, dirigido por Benjamim Araújo de Corte-Real, precisamente, com a finalidade de garantir o desenvolvimento, a modernização e a disseminação do tétum praça.
A Ciência nem sempre é real e factual e o processo de “fazer ciência” recorre com frequência ao estabelecimento de hipóteses e probabilidades. A língua usada para “fazer ciência” deve ser capaz de expressar essas possibilidades ou probabilidades, aspecto que não é característico das línguas francas, que são criadas para dar resposta às necessidades específicas de contacto comercial ou social, como foi o caso do tétum praça que pretendeu dar resposta às dificuldades de comunicação nas transações comerciais.
Pela razão que acabei de explicar, das línguas oficiais de Timor-Leste, o português é a única língua que, devido à sua história, foi evoluindo de maneira a acomodar em si todas as realidades.
O tétum praça, que é aquele dominado pela maioria da população timorense, ainda não se encontra desenvolvido, necessitando de outra(s) língua(s) para o fazer. Por isso, esta língua precisa de ser ainda desenvolvida para ser a língua do ensino das ciências.
O tétum não é a língua materna de todos os timorenses e não é internacional
Outro aspeto importante é a questão do mosaico linguístico que existe em Timor-Leste: as cerca de trinta línguas existentes no país fazem com que o tétum não seja a língua materna de todos os timorenses. Por isso, o tétum também assume frequentemente o estatuto de língua segunda e/ou estrangeira, estatuto que pode ser aplicado ao português.
Ou seja, nestes casos, o tétum e o português assumem o mesmo estatuto. Para além disso, é importante assumir a insularidade do tétum e o isolamento a ela associado, o que acarreta a impossibilidade de se usar o tétum fora de Timor-Leste.
Por outro lado, dependendo do percurso profissional e académico do professor de determinada disciplina, o suprimento das lacunas do tétum poderia ser feito com recurso a várias línguas (inglês, português, indonésio, malaio…). Ora, se assim fosse, obrigaria o aluno a dominar a(s) língua(s) selecionada(s), ou seja, para além da língua tétum, o aluno deveria dominar as línguas usadas pelo(s) professores e, obviamente, isso obrigaria a que houvesse um esforço de transferência muito maior.
Ensino em tétum dificulta o processo de ensino-aprendizagem
Esta questão agrava-se num outro aspeto: a explicação e o contacto com conceitos são feitos de forma gradual e progressiva, exigindo os níveis mais altos o domínio de conceitos apreendidos em níveis de ensino inferiores.
Ora, conforme defende Célia da Silva Oliveira, se um aluno aprendeu determinada teoria ou conceito em língua tétum em que o professor recorreu, por exemplo, a empréstimos da língua indonésia e esse aluno tiver de recordar essa mesma teoria num outro nível em que o professor recorra, por exemplo, a empréstimos de outra língua como o inglês ou o português, esse aluno ver-se-á confrontado com uma dificuldade acrescida, que poderá implicar a aprendizagem quase do zero de um conceito ou teoria que já deveria estar interiorizado.
Ou seja, o processo de aprendizagem adquire um grau de dificuldade acrescido e que frequentemente poderá revestir-se da necessidade de reaprender conceitos e vocabulário.
Por fim, há a questão de materiais de aprendizagem e de estudo.
O recurso ao português permite a utilização de milhares de milhões de recursos e materiais didáticos produzidos pelos países da CPLP e que permitirão aos alunos estudar e aprender sem ser através dos materiais produzidos em tétum pelo professor e que são limitadores, principalmente na construção de um espírito crítico e da autonomia que deve ser crescente.
Em síntese, o Artigo 11º da Lei Nº 6/2024 de 17 de Julho (Lei de Bases do Ensino Superior), para além de não violar a Constituição, ao defender o uso da língua portuguesa, com apoio do tétum, irá contribuir de forma significativa para o desenvolvimento da qualidade do ensino superior e da ciência, com reconhecimento da comunidade científica nacional e internacional.