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Terça-feira, Fevereiro 4, 2025

A ilusão da escolha

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Ao contrário do que têm assegurado os mentores do movimento MAGA e apesar das confortáveis maiorias republicanas no Senado e na Câmara dos Representantes, a conclusão do processo de transição entre as administrações Biden e Trump não constitui qualquer garantia para o início de uma nova era para as aspirações norte-americanas. A anterior passagem de Donald Trump pela Casa Branca (2017/2021) não acabou bem – e não me estou a referir ao rocambolesco episódio do assalto ao Capitólio com que se tentou impedir a eleição de Joe Biden – e esta, a olhar para a plêiade de personagens que pululam à sua volta, tem tudo para conhecer idêntico fim.

Os magnatas de Silicon Valley e dos hidrocarbonetos irão mostrar-se muito mais interessados nos lucros que eles e as suas empresas poderão retirar da proximidade ao poder e da definição de políticas que favoreçam os seus interesses, do que numa verdadeira agenda reformista. O próprio Steve Bannon, ex-conselheiro e estratega de Trump que mantém uma forte influência no eleitorado trumpista, di-lo claramente e nem esconde a sua intenção de torpedear a intervenção de Musk; este ideólogo da alt-right norte-americana (facção da extrema direita dos EUA que rejeita o conservadorismo clássico e se apresenta como supremacista e anti imigração) e seu mentor junto de alguns países europeus, apresenta-se agora mais cauteloso e distante do trumpismo de fachada expresso, por exemplo, na multitude de ordens executivas com que Donald Trump voltou a abrir a sua presidência.

Longe parecem os tempos da regular rotatividade entre republicanos e democratas, apresentada ao mundo como característica vital do estatuto democrático dos EUA e principal razão, segundo os seus defensores, para a sua posição como líder global. E esta anomalia pode, e deve, ser avaliada como a reacção norte-americana ao mundo multipolar que querem impedir; começou com o primeiro mandato de Trump e continuou com Biden, resumindo-se à clássica estratégia de regresso ao básico de reindustrialização com proteccionismo. Com o espalhafato de Trump ou o Patriot Act de Biden, o que a elite norte-americana pretende é manter a posição de supremacia (e as mordomias a ela associadas) no panorama internacional e, como o tempo não corre a seu favor, reagirá de forma cada vez mais intempestiva e desesperada, talvez esquecendo que a indústria é actualmente dominada pelas Bigh Tech, o que se traduz numa conjuntura que tende a inverter claramente as relações de poder entre os interesses políticos e os interesses dos poderosos de Silicon Valley.

O crescente sentimento de desilusão perante os processos eleitorais e os seus resultados e a radicalização das tensões entre os partidos políticos, são sinais de fragilidade e instabilidade altamente prejudiciais ao mundo dos negócios, pelo que o actual protagonismo das Big Tech pode prefigurar uma mudança no cenário político que a ascensão dos “homens providência” já vinha anunciando. Talvez nos devamos preparar para nova fase de aceleração da acumulação, disfarçada sob a capa das “liberdades dos consumidores” que outra coisa não será senão o mote para o aumento das desigualdades e o empobrecimento generalizado.

Mesmo quando anunciada como o primado dos consumidores, a realidade destes será igual à dos eleitores; a anunciada terra do leite e do mel dos “homens providência” (sejam eles Trump, Musk ou até Vance) reservará apenas o fel para os “outros”. À ilusão da escolha seguir-se-á a desilusão do resultado para a vasta maioria dos “deserdados”.

Donald Trump será um nacionalista na perspectiva de uma América reforçada e reorganizada internamente (numa orientação descaradamente fascizante, ou como escreveu aqui Francisco Seixas da Costa, liberto do republicanismo rotineiro de aparelho, passou a ser a bandeira do reacionarismo mais ideológico, hiper-religioso, moralista, “back to basics”, às vezes com laivos quase cavernícolas) para tentar um domínio global isolado e até um globalista (um todo-poderoso muito além da ortodoxia neoliberal) num mundo que pretende privatizado, desprovido de regras e de limites e dirigido por uma elite de mega bilionários. Ele e o seu círculo próximo até poderão ter abordagens mais pragmáticas para muitos dos problemas e dos conflitos que pululam, mas, egocêntrico como é, esgotar-se-á em tonitruantes auto glorificações e ficará para o registo histórico ao mesmo nível de todos os enfatuados bonifrates que regularmente deixamos alcandorar aos píncaros do poder.

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