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Sábado, Março 15, 2025

Trumponomics num relance | Parte III

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Após a tomada de posse de Donald Trump e no contexto profundamente dividido da política norte-americana, estamos a assistir à transição de uma administração intervencionista e abertamente belicista para uma outra de declarado pendor isolacionista, imperialista e proteccionista.

Na primeira e na segunda partes deste artigo procurámos escalpelizar algumas das primeiras e mais visíveis iniciativas da nova administração norte-americana, cujas ideias (ou intenções) poderão rapidamente exacerbar as dificuldades económicas internas e contribuir ainda para insuflar as diversas bolhas especulativas que se prefiguram no horizonte – a par do sempre eternos riscos do sector imobiliário e do desregulado e mega especulativo mercado financeiro dos produtos derivados, teremos agora de acrescentar o das altamente voláteis criptomoedas – não sendo por isso de afastar a elevada probabilidade de virmos a registar um novo período de estagflação (período de crescimento económico lento, nulo ou negativo no contexto de aumento dos preços) que facilmente poderá evoluir para uma recessão económica cíclica ou até para uma nova depressão económica estrutural a longo prazo. É que embora a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) preveja um crescimento económico global da ordem dos 3,3% em 2025, não exclui um grande risco de deterioração face às possíveis guerras comerciais resultantes das anunciadas subidas de tarifas pelos EUA.

Em resumo, poucos duvidarão que a actual configuração mundial se apresenta decisivamente multilateral e interdependente, mas a ideia dominante na administração norte-americana em exercício parece ser a de regressar ao unilateralismo e ao isolacionismo (conceitos que consubstanciam as promessas demagógicas de Trump), no que se afigura como uma experiência particularmente perigosa.

Internacionalmente, a abordagem de tipo transacional (tão do agrado de Trump e da concepção simplista e maniqueísta do “nós” e do “eles”) corre o risco de ser demasiado agitadora, potencialmente desestabilizadora e profundamente perturbadora das relações económicas internacionais, especialmente no que diz respeito às trocas comerciais, ao funcionamento das cadeias de valor e aos movimentos de capitais.

No plano interno, a aplicação de uma agenda económica claramente radical, até poderá beneficiar a economia doméstica no imediato se estimular algum crescimento na produção doméstica, mas, porque executada à custa das demais economias, acarretará elevados custos económicos, financeiros e políticos a médio e longo prazo para todos. Por razões específicas da abordagem transacional, pode parecer prático iniciar guerras comerciais por razões políticas internas, mas, como mostram as experiências mercantilistas dos anos 30 do século passado que degeneraram num conflito mundial que terá custado a vida a cerca de 60 milhões de pessoas, dos quais apenas 1/3 seriam militares, tais políticas comerciais viradas para o interior poderão transformar uma simples recessão económica numa profunda e muito prejudicial depressão económica a longo prazo.

Por último uma nota para a uma dura realidade que começa finalmente a merecer referência expressa: os EUA atravessam uma gravíssima crise de excesso de endividamento (algo que remonta há mais de uma década, é insustentável e tem vindo a ser sistematicamente escamoteado) que os obriga a reduzir as despesas e estará na origem do Departamento de Eficiência Governativa (DOGE na terminologia anglo-saxónica) de Elon Musk e da intenção de grandes cortes orçamentais, além de limitar a manutenção de uma musculada presença militar externa. O desgaste em material bélico e humano começa a ser insustentável para a sociedade norte-americana (facto que talvez explique o crescimento dos sentimentos isolacionistas e o apego aos passados tempos de glória) e para quem tudo resume à simples contabilização do lucro, a solução óbvia será a de negociar um indispensável desinvestimento armamentista com os principais concorrentes (Rússia e China), sob pena de se ver ultrapassada por estes.

Disfarçada além dos limites do possível e apresentada sob a capa de uma denominada Trumponomics, eis que desponta a realidade norte-americana de um país a caminho do precipício orçamental que determinará os contornos de uma próxima ordem mundial.

 

Trumponomics num relance | Parte I

Trumponomics num relance | Parte II

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