O processo de desindustrialização que tem marcado as últimas décadas da vida económica portuguesa foi de algum modo compensado com os progressos da promoção imobiliária, uma vez que a adesão à então CEE deu origem à instalação de representações de organizações de dimensão europeia ou peninsular, e dos sectores do comércio, particularmente da grande distribuição, e serviços. Nestes últimos segmentos avultaram as iniciativas do Grupo Sonae originário da indústria transformadora, então liderado por Belmiro de Azevedo.
Mais do que investir em capital fixo, contratar trabalhadores, e desenvolver uma actividade de comércio a retalho, o Grupo Sonae cria negócios, e sobretudo cria marcas. E também vende negócios que do seu ponto de vista já atingiram a maturidade. Não tendo criado um grande banco próprio, vem-se financiando muitas vezes com a venda de activos, por exemplo de parte dos imóveis que alojam centros comerciais. Quanto às grandes superfícies, ensaiou várias marcas antes de se centrar em Continente. Como exemplo de venda de um negócio iniciado com marca própria que após um período de transição passará a ser desenvolvido sob outra marca, veja-se o caso da Sport Zone(i). Outro exemplo, os investimentos em Troia iniciados pela Orbitur / Imoareia a partir da aquisição de créditos públicos sobre a Torralta (parece que foi ontem…) com implosão do edificado anterior, agora vendidos a outro grupo.
Marketing? Tive contactos com colegas docentes de várias universidades e institutos politécnicos que ensinavam marketing, um dos quais julgo tinha trabalhado na Sonae e contava muitas histórias / anedotas sobre o “HOMEM SONAE”. Pessoalmente iniciei a minha docência no ensino superior com base numa licenciatura em Economia pelo ISCEF/ISE, actual ISEG. Todavia, tendo durante muito tempo estado, no Instituto Superior de Gestão adstrito à lecionação de Gestão do Sector Publico a finalistas no Instituto Superior de Gestão, concertei com a direcção daquele instituto a frequência, em 1991 de um Curso Geral de Gestão (não conferente de grau) de 280 horas ministrado naquele Instituto, como forma de estar a par das grandes linhas da formação ministrada aos meus alunos durante a sua frequência do plano de estudos da licenciatura em Gestão. Este curso incluía um módulo de Marketing,(ii) onde tenho ideia que se distinguia uma era da produção, uma era das vendas, caracterizada pelo imperativo de vender a todo o custo, e uma era do marketing caracterizada pela preocupação com a satisfação das necessidades das pessoas.
Já tinha lido na altura O Crime Exige Propaganda de Dorothy L. Sayers, publicado em 1955 pela colecção Vampiro, da Livros do Brasil, o qual, passado numa agência de publicidade, continha várias referências que me levaram a situá-lo na época da grande depressão gerada pela crise de 1929. Recordava-me até do director da Agência defender que a utilização da publicidade ao tabaco poderia aumentar muito o consumo deste por parte das mulheres. A Vampiro nesta época raramente continha referências à data da primeira edição na língua original. Adquiri Murder Must Advertise (é sempre melhor ler um livro no original embora neste caso a tradução esteja aceitável) e a edição inglesa revelou-me que a primeira edição era de 1933, com a Europa ainda em depressão, e que a autora trabalhara de 1921 a 1932 numa agência de publicidade…
A Sonae está há muito na era do marketing e não na era das vendas. Ou não?
Vou tratar brevemente de uma experiência de compra de um “grande electrodoméstico” numa loja Worten, sendo Worten uma das marcas do Grupo Sonae sob a qual este comercializa aparelhos eléctricos e electrónicos em numerosos centros comerciais em Portugal e Espanha. Tenho feito numerosas compras, sem problemas, à Worten, que, fiquei agora atento, está corporizada em pelo menos uma sociedade: Worten – Equipamentos para o Lar, SA , registada na Conservatória de Registo Comercial do Porto e sediada na Maia. Fujo do Centro Comercial Colombo, a “catedral do consumo” inaugurada pelo então Presidente da Câmara Municipal de Lisboa Jorge Sampaio, mas entro com frequência nas lojas Worten do Centro Comercial Vasco da Gama no Parque das Nações em Lisboa e do Shopping Rio Sul situado no concelho do Seixal, sendo que por lado este atrai clientes de vários concelhos da zona, e por outro constitui um pólo de empregabilidade.
Em geral as grandes superfícies e os estabelecimentos que funcionam em centros comerciais oferecem hoje em dia saídas profissionais para muitos jovens com o secundário feito e até com estudos superiores em algumas áreas, num distrito atingido pela desindustrialização. Em rigor, alguns dos equipamentos que fui adquirindo para instalar na minha habitação sediada no concelho nem sequer foram adquiridos na loja Worten do Rio Sul mas encomendados on line. Foi esse o caso de duas máquinas de lavar de uma marca turca que substituiram duas velhíssimas AEG que por coincidência desistiram de lutar durante a pandemia, sendo importante que a Worten, imbuída de uma preocupação ecológica, tenha adoptado a política de, ao instalar em casa os novos equipamentos, remover os antigos.
No domingo, 9 de Março do corrente ano, estava confrontado com a necessidade de substituir uma também velhíssima máquina de secar Bosch que já tinha tido os melhores anos da sua vida em Lisboa, e perguntava-me se não deveria substitui-la por uma de marca branca Kumpf que aparecia na internet na publicidade ao DEZCONTÃO da Worten, mas ao deslocar-me à Loja Worten do Rio Sul(iii) estava aberto à possibilidade de comprar uma máquina com as funções de lavar e secar, embora os preços que apareciam na Internet me parecessem proibitivos. Todavia a visita foi produtiva pois apareceram uma, duas, três máquinas de lavar e secar de marcas diferentes que se encontravam a preços especiais por serem as últimas em exposição. Comprei, e paguei de imediato, uma Bosch apesar de a conscienciosa funcionária me advertir duas vezes para que ela nunca tinha funcionado, e registei que na terça-feira seguinte, 11 de Março, deveria estar em casa das 14 às 18 horas, para receber a máquina. Tudo bem salvo uma discussão com um senhor sem uniforme (um chefe, um HOMEM SONAE?) que teimou que apesar de a nova máquina ir substituir duas, os transportadores só retirariam uma das anteriores.
Ainda no domingo, 9 de Março, recebi um questionário sobre o atendimento em loja, a que não respondi, por um lado porque ainda não tinha havido entrega do equipamento e por outro porque tinha havido envolvimento de duas pessoas no atendimento, uma das quais irrepreensível, outra geradora de profunda insatisfação. Aliás cada vez menos respondo a inquéritos de satisfação, por exemplo relativos a consultas hospitalares, que apenas versam o atendimento.
A mensagem que recebi na véspera do dia marcado para a entrega precisava que receberia por SMS 30 a 45 minutos antes da entrega, aviso de que esta se iria concretizar, mas continha uma estipulação que não constava das condições de venda, a de que o equipamento a retirar tinha de estar desinstalado. Portanto a partir do fim da manhã de 11 de Março fiquei sem máquina de lavar na convicção de que o novo equipamento seria entregue durante a tarde desse dia, com aviso prévio. Só que, nem equipamento, nem aviso por SMS. A 25 minutos da deadline das 20 horas telefonei para o número de contacto geral indicado pela Worten, que possivelmente será o de um call center(iv) e uma tal Sofia P., referindo-me estar registado “Cliente ausente” (?!), depois de vários telefonemas conclui que a transportadora não terá conseguido que na Worten do Rio Sul lhe entregassem à máquina. Combina comigo a 5ª feira, 13 de Março, das 14 às 20 h como nova data deu entrega, com SMS 30 a 45 m antes da entrega efectiva. Obrigado a Sofia P. No dia seguinte, quarta feira, recebo recordatória da entrega do dia seguinte.
Na 5 ª feira, 13 de Março, o descalabro é total: recebo da parte da manhã um aviso de entrega iminente do equipamento encomendado e ao fim da manhã telefonema de um tal Hugo R. que afirma ser da Worten e me diz que por razões de controlo de qualidade a chamada vai ser gravada (!!!)(v). A conversa é para mim perfeitamente surreal, pois que Hugo R. me pergunta várias vezes a minha morada e inquire se lá funciona uma loja (!!!) A certa altura pergunto-lhe se ele trabalha na Worten do Rio Sul. Não, não trabalha, mas também não me diz qual é o seu local de trabalho. Peço-lhe que me confirme se vou ou não receber o equipamento da parte da tarde, mas não me desengana. Cessada a chamada, percebo que está foi feita a partir de Penafiel (!!!). No dia seguinte alguém me dirá que se trata da CENTRAL (?!). Este Hugo R. parece ser outro HOMEM SONAE ao qual (tentei-o) não se pode ligar de volta. Fico a “secar” das 14 às 20 h e sempre que tento ligar para o número de contacto geral o sistema, que reconhece o número de telemóvel, não aceita ligar sequer a um call center e desbobina a treta de que a máquina será entregue nesse dia das 14 às 20 h com aviso prévio por SMS.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL? Talvez, mas em excesso transforma-se em ESTUPIDEZ.
No dia seguinte 6 ª feira, 14 de Março, não havendo contacto da magnífica Worten, vou novamente à loja da marca no Rio Sul e faço uma pergunta muito simples: a máquina de lavar e secar que adquiri (e paguei) no domingo passado, 9 de Março, ainda se encontra na loja? De facto, não tinha saído de lá… E não me parece que o problema fosse da indicação dada pela loja vendedora, uma vez que era claro que o equipamento (aquele equipamento) deveria ser transportado da loja (daquela loja), para a minha morada, perfeitamente identificada. TALVEZ O SISTEMA SOFRA DE ILITERACIA. Com muita paciência voltou a ser agendada nova faxina de esperar pela máquina, na 2 ª feira seguinte, 17 de Março, das 14 às 20 horas, com SMS prévio. Com recordatória no domingo e inquérito, a que também não respondi, sobre o segundo atendimento em loja.
À terceira, isto é em 17 de Março, foi de vez, embora perto da hora terminal. O SMS de alerta foi complementado por uma voz brasileira (da transportadora) a dizer que estavam perdidos mas seria que a casa dos meus vizinhos tinha piscina? Boa utilização do Google Maps… e um traço de humanidade num processo totalmente impessoal.
Tenho um terceiro inquérito para responder – que apenas pergunta se gostei da forma como se recusaram a encaminhar a chamada na tarde de dia 13 (estarão orgulhosos da recusa automática?), mas prefiro enunciar aqui algumas conclusões da “Aventura” que descrevi:
- a Worten parece estar a regredir da era do marketing para a era das vendas e a utilizar a automatização de procedimentos para se distanciar dos clientes e tornar-lhes difícil a comunicação;
- é intolerável que nos contactos com os clientes os protagonistas não indiquem claramente qual a sua função nem ao que vêm, e, bem assim, quando detectam um problema, não o tentem corrigir.
Fico com uma triste ideia dos “HOMENS SONAE” com que contactei mas muito bem impressionado pelo profissionalismo das “MULHERES SONAE” da Loja Worten do Rio Sul.
Notas
(i) Tendo esta já desaparecido de algumas das lojas dos shoppings, continuo a receber ainda por correio electrónico muitas mensagens da “Sara da Sport Zone”.
(ii) Em 2007 participei num Congresso de Marketing Público e Social que teve lugar na Universidade do Minho.
(iii) Na parte da “Aventura” que decorreu no dia 9 estive na companhia de uma pessoa de família.
(iv) Foi um amigo que me sugeriu esta pista.
(v) Já basta que gravem as chamadas, a pretexto de controlo de qualidade, quando sou eu a estabelecer o contacto, mas que me telefonem a dizer que vou ser gravado é inaceitável.