Não sou subscritor do documento sobre a eutanásia mas podia sê-lo. É um documento, não uma proposta de lei, que pretende lançar um debate generalizado, tão sereno quanto possível, sobre um tema difícil e complexo: a vida e a morte.
Têm aparecido muitos artigos na imprensa escrita e a RTP1 debateu-o no prós e contras o que é um sintoma da importância deste tema.
Algumas posições saídas a lume tratam temas muito importantes mas laterais a esta questão o que nos permite concluir que há ainda um longo caminho a ser percorrido.
A eutanásia refere-se à situação de alguém que quer morrer e necessita de ajuda. Trata-se duma morte medicamente assistida o que dá a garantia duma morte sem dor e sem complicações.
A eutanásia está legislada, pelo menos, no Benelux, na Alemanha e em alguns estados americanos.
Na Holanda, no ano passado, 5000 pessoas recorreram à eutanásia incluindo cidadãos portugueses.
O suicídio assistido diferencia-se da eutanásia no facto de o elemento causador da morte ser ministrado pelo próprio. Neste caso o médico está presente para garantir que tudo corre bem.
Na Suiça, a clínica Dignitas, pratica o suicídio assistido. É o próprio que ingere o produto que o mata na presença dum médico. A clínica trata de toda a tramitação pós morte de acordo com o desejo do falecido: cremação, envio das cinzas, registo etc
Entre os seus clientes também existem portugueses.
As motivações para se querer morrer são muitas e variadas e só numa abordagem simplista se resumem ao sofrimento provocado por doença incurável.
São todas aquelas em que a vida deixou de fazer sentido, perdeu a dignidade (que é um conceito subjectivo e individual) e leva à opção duma morte com dignidade.
Pode ser o caso dum paraplégico cujas condições de vida perderam dignidade, o caso de quem está acamado e aguarda a chegada da morte em estado de total dependência. São muitas e variadas as razões que podem levar à opção pela morte digna.
Nestas situações quem defende a eutanásia ou o suicídio assistido reclama o direito de decidir sobre a sua vida. Considera a vida como um direito e não como uma obrigação.
A situação é complexa e há que garantir que quem decide o faz na posse de conhecimento adequado.
Este é normalmente obtido junto dos médicos.
Por outro lado há que garantir também que quem decide o faz em consciência e não em estado de dependência, de demência, etc
O testamento vital, que já existe em Portugal, onde o cidadão especifica os tratamentos que aceita em determinadas circunstâncias é uma resposta possível para esta questão.
Por exemplo, alguém que, tendo um acidente rodoviário que o obriga a ficar acamado e dependente de terceiros para a sua higiene pessoal, para ser virado na cama, etc, rejeita a vida por falta de qualidade e reclama o direito de morrer.
É justo e humano negar-lhe esse direito?
Uma situação destas nada tem que ver com cuidados paliativos nem com sofrimento físico. Tem a ver com aquilo que o próprio considera uma vida digna.
O direito a dispor da vida é, em meu entender, um direito pessoal e intransmissível o que me leva a não reconhecer ao médico o direito de decidir e de me “obrigar” a continuar a viver.
Os crentes que consideram que a vida é um dom de deus estão nesta matéria, por opção própria, condicionados na sua liberdade e esperam, legitimamente, o respeito dos seus concidadãos.
Aqueles para quem a vida é algo que só a eles pertence não aceitam submeter as suas escolhas à opinião de terceiros (médicos ou não médicos). Também eles esperam, legitimamente, o respeito dos seus concidadãos.
É este equilíbrio que tem que estar na base do desenho de soluções legislativas que no futuro venham a ser adoptadas.
Conheço casos de pessoas que estiveram anos acamados, sem qualquer consciência de estarem vivos. Morreram depois de terem destruído a vida dos seus familiares.
São situações que, como ser humano, me envergonham.