Com apenas três filmes da competição por exibir, é natural que parte dos prémios estejam do lado dos filmes já mostrados na secção competitiva.
Nas nossas contas, dois documentários perfazem as nossas preferências.
Em primeiro lugar, o assombroso As Cartas da Guerra, do português Ivo Ferreira, baseado na correspondência que António Lobo Antunes escreveu durante a guerra do “Ultramar” e que suporta a narrativa das várias personagens.
Depois, talvez aquele que reúne até agora a preferência destas listas, o documentário do italiano Gianfranco Rosi, Fuocoammare (Fogo no Mar), temperando a tragédia dos refugiados que chegam à ilha de Lampedusa, com abismo bucólico de um garoto local, filho de pescadores, que brinca às guerras com armas a fingir ou uma fisga.
Igualmente candidato passa a ser o dinamarquês The Commune, de Thomas Vinterberg (também já comentado aqui).
A essa lista juntamos ainda Soy Nero, um filme de Rafi Pitts, o realizador filho de mãe iraniana e pai britânico, a abordar um tema polémico e que tem algum quorum em outros filmes desta selecção dominado pelas zonas de fronteira. Neste caso, a fronteira entre o México e os Estados Unidos, que vários miúdos usam para jogar vólei entre os dois lados da barreira e em que Nero um dia se aventura a ultrapassar em busca do irmão Jesus que lhe contará histórias de sonho de Beverly Hills onde supostamente morava.
Mas para Nero essa passagem de fronteira tem ainda o sonho de poder ingressar nas forças armadas americanas para assim poder obter o tão desejado green card. O resultado acabará por passar pelo destacamento para um ‘no man’s land‘ e para um destino que acaba por ser comum a muitos dos que conhecem o outro lado do sonho americano.
Surgem depois outros casos, igualmente considerados, como o curioso L’Avenir, da francesa Mia Hansen-Love, embora um pouco dominado por uma certa presunção filosófica, para afinal de contas lidar com temas bem mais simples. Ainda assim, Mia já nos habituou a um cinema feito de maturidade precoce e onde invariavelmente gostamos de seguir o percurso que sugere.
De referir ainda a proposta bizarra do americano Jeff Nichols em Midnight Special, o tal filme do miúdo com poderes sobrenaturais que se intromete numa narrativa que começa como um filme de fuga. Um abalo demasiado grande, com um salto de género demasiado ousado, para ser credível.
O mesmo se diga do ensaio da descoberta homossexual do francês André Téchiné, Quand on a 17 Ans, um interesse demasiado escasso para que lhe seja associada um Urso de Ouro.
Vimos ainda o documentário Zero Hours, do americano Alex Gibney, sobre os bastidores das guerras cibernéticas, da vigilância global e da proximidade a ataques que podem arrasar sociedades inteiras, lamentavelmente pouco ou nada trabalhados por acordos internacionais. Talvez por isso este seja documento que acaba por não resistir ao escasso tratamento de dados concretos, ao conjunto de entrevistas com poucos dados concretos para tornar o documento mais cinemático. Inegável o interesse de uma realidade que nos afecta, insuficiente o interesse do ponto de vista documental.
Amanhã, dia 19 será o dia do maior desafio, em que veremos A Lullaby to The Sorrowfull Mystery, do cineasta filipino Lav Diaz, vencedor em 2014, do Leopardo de Ouro, em Locarno, pela simples razão da duração do filme ter 482 minutos, ou seja perto de oito horas de duração.
Vamos lá ver se sobrevivemos…