“Enviados especiais”, correspondentes em Paris e outros de ocasião vêm a repetir, desde há anos, a estória do “ restaurante de luxo ” frequentado por Sócrates durante os seus tempos no IEP de Paris. Ninguém, porém, disse lá ter ido. Fomos nós. E trouxemos a factura.Para começar, ao fim da tarde, aperitivo num café simpático do Bd St. Germain, onde o português mais bem informado de Paris me tinha marcado encontro. Estivemos umas duas horas a falar no “Deux Magots”. Da vida em Paris do ex-primeiro-ministro. Do estado mental da cidade submetida a repetidos ataques jihadistas (a maior parte não chegam a concretizar-se e não aparecem nos media). E também das pequenas banalidades dos quotidianos de Paris e de Lisboa.
Às oito da noite, o meu interlocutor lamenta não poder jantar comigo devido a compromissos já assumidos, faz questão de oferecer os aperitivos e diz-me “vou-te deixar à porta do restaurante que o Sócrates frequentava, é mesmo ali ao lado, ele saia aqui do IEP e ia lá comer, nem 10 minutos fazia a andar”.
Subimos um pouco o Bd. St. Germain, atravessamos e entramos numa perpendicular, a Rue du Dragon. Duzentos metros à frente, no passeio da direita, paramos. “É aqui, é este, vê os preços aí na vitrine”. Despedimo-nos e agradeço-lhe a sua gentileza, “obrigado, meu amigo, se fores a Lisboa, telefona”.
Entro no restaurante. Paredes pintadas em tons claros, fotos de artistas italianos nas paredes, meia-dúzia de mesas de dois lugares e duas mesas de quatro lugares, um pequeno balcão ao fundo. O dono do restaurante instala-me numa mesa das pequenas e o jovem empregado traz-me a carta. Acolhimento caloroso e sorridente. Na escolha dos pratos, descubro que o jovem empregado ainda não domina bem o francês e, rapidamente, começamos a falar uma espécie de italiano muito gestual.
Sempre a sorrir, pergunta-me de onde sou. Explico. “Ah, de Lisbona… Portuguese!” Sim, sou português. “E tu de onde és?”, pergunto, também a sorrir. “Ah, eu sou de Nápoles, sou napolitano”. O diálogo prossegue: “Ok e o que é hoje a lasagna del giorno?” Bom, tenho sorte, não é nenhuma daquelas vegetarianas que eu detesto, é uma “buona” bolognese. Quero isso e um tinto italiano que vá bem com a lasagna. Ele escolhe um “Roca Rubia”. O nome promete e o provar confirma. Bebe-se bem e o preço é bom.
A sala começa a ficar repleta, todas as mesas ocupadas, ainda antes das nove. O jovem napolitano passa a ter a ajuda do próprio dono no serviço às mesas. Observo como os dois despacham sem falhas o serviço em modo familiar, eficaz, rápido e sempre de sorriso frequente.
Chega a minha lasagna. Óptima na confecção e nos acompanhamentos. Por cima da minha mesa, Sofia Loren, com dois balões nas mãos à altura do peito, parece desejar-me “bom apetite”. Não é preciso, Sofia, a lasagna está tão boa que só pede que a comam.
Despachada a lasagna, termino com um tiramisu ao pistachio e dois excelentes expressos (coisa rara em Paris). “Queres o expresso à italiana?” perguntara o napolitano. Claro, homem, à italiana. A Sofia – pareceu-me – riu-se deste diálogo de apreciadores de café.
Na mesa ao lado e sob o olhar de um Pasolini de óculos escuros, um casalinho de uns 20 aninhos festeja, com atraso, o seu “dia dos namorados”. Garrafa de chianti rosso, depois de uns aperitivos champanheses.
Ele oferece-lhe uma pulseira dourada e ela estica-se toda por cima da mesa para o beijar. Atrás do balcão, muito discretamente, o dono sorri da cena, com simpatia. Pisca-me, rapidamente, o olho, numa mensagem muda a querer dizer “que tenham uma boa noite”.
Volto a observar o senhor enquanto aprecio os meus expressos. A minha boa fonte explicara-me ter o restaurante sido criado há várias décadas por um anti-fascista italiano, exilado em Paris, e ainda se mantendo na família.
Analiso a figura e os modos como se mexe, se expressa e se relaciona. Procuro pequenos sinais dessa cultura da família, italiana e anti-fascista. Minutos passados, creio ter identificado meia-dúzia de pequenas coisas (“weak signals”, como dizem os anglo-saxónicos) que testemunham, subtilmente, dessa história familiar.
Converso sobre isso com a senhora que me faz companhia neste jantar. Uma portuguesa de Paris, advogada e directora jurídica num grupo empresarial francês, que domina bem língua e cultura italianas e me ajuda a identificar mais uns quantos “weak signals” que não são de origem parisiense e estão nos antípodas “da cultura tradicional da direita francesa”.
Passa já muito das dez, decidimos deixar o casalinho mais à vontade e peço a conta. O napolitano traz a factura, pago e ele pergunta se me pode oferecer um último expresso à italiana. “Podes, claro”. Sorvido o expresso e enquanto visto o casaco, ele vem dizer-me “obrigado e boa sorte”. Em português. Sorrio-lhe. “Afinal, também falas português!” Pouco, diz ele, e em francês finaliza “um dia irei a Lisboa”. Ciao.
À saída, espera-me o patrão. Abre-me a porta e aperta-me a mão. Com um belo sorriso, diz-me para voltar. “Prego”. Claro que sim. Voltarei. De certeza.
[…] e reputado jornalista José Mateus, publicada há alguns dias neste Jornal, sob o título “Fomos Jantar ao “Restaurante de Luxo” do Sócrates em Paris“. Esta reportagem tinha dois propósitos: suprir uma lacuna por nós detectada em todos os […]
[…] e reputado jornalista José Mateus, publicada há alguns dias neste Jornal, sob o título “Fomos Jantar ao “Restaurante de Luxo” do Sócrates em Paris“. Esta reportagem tinha dois propósitos: suprir uma lacuna por nós detectada em todos os […]