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Quinta-feira, Novembro 21, 2024

A Honra Perdida da Europa e… As Coisas Que Aí Vêm

José Mateus
José Mateus
Analista e conferencista de Geo-estratégia e Inteligência Económica

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Dias antes de a Europa atingir o grau zero da ética, neste “acordo” com a Turquia, a Stratfor praticava um exercício de antecipação sobre “a Europa sem a União” e o que se lhe seguirá, ou seja, como diz o autor, Mark Fleming-Williams, “the shape of things to come”. Contudo, nem este exercício de “pensar o impensável” conseguia prever o inenarrável acordo com a Turquia, momento do naufrágio ético (e político) da gerigonça da UE, sob batuta alemã.

Merkel considera que nada é demais para salvar a sua re-eleição em 2017. Ela está, obviamente, disposta a pagar essa re-eleição com a rendição da Europa aos desejos turcos, com o dinheiro da Europa e com a honra da Europa. Nada disso é sua propriedade pessoal, portanto, pode gastar à vontade o que não é seu para obter um resultado pessoal. Nada de novo. É um “pensamento” recorrente em certos políticos. Mas que tem consequências. E, no caso, bem fortes.

Arrisca-se aqui que “a emenda seja pior que o soneto”. Bem pior. A opinião pública da maior parte dos Estados da União (a começar pela francesa) manifesta já repulsa pela forma como todo este naufrágio político foi conduzido e decidido. E a Merkel poderá sair-lhe o tiro pela culatra… Poderá acontecer que esta manobra, concebida e executada para a salvar nas próximas eleições, acabe por lhe rebentar na cara.

E se a campanha inglesa pelo “Brexit” ainda precisava de algum apoio para fundamentar a sua afirmação de que a “EU going in wrong direction” (como ontem titulou o ‘Sun’), Merkel acaba de lhe oferecer numa bandeja tudo o que lhe poderia faltar.

Mark Fleming-Williams, o analista da Stratfor autor do “Europe Without the Union”, considera que, no cenário de fragmentação da “União”, a Alemanha, o Benelux e a França se manterão juntos, aparecendo como o “core” da península europeia e prosseguindo até com o euro. Destaca, porém, que mesmo nesse cenário, se manterá a linha de fractura entre Paris e Berlim que, nos últimos tempos, tem marcado a evolução da situação na “União”…

Neste acordo de cedências à Turquia há uma promessa (a adesão à “Europa”) e três realidades (6 mil milhões de euros oferecidos a Ankara, a aceitação de “refugiados” devidamente “certificados” por Ankara e, sobretudo, a concessão aos turcos de um livre-trânsito para o espaço Schenghen).

Se a “adesão” da Turquia é vista, pela maior parte dos governos europeus, como uma miragem a gerir e se os milhares de milhões a entregar aos turcos podem ser entendidos por muitos como “uma coisa ainda a ver”, já a entrada dos refugiados seleccionados por Ankara (que repõe na mesa o problema da sua já recusada distribuição pelos Estados europeus) e a concessão do livre trânsito aos turcos levantam problemas imediatos à maioria dos Estados do espaço Schenghen e vão, certamente, expandir e reforçar as barreiras fronteiriças no interior desse espaço. Ou seja, vão ditar o fim real de Schenghen.

 

Camões tinha razão…

Neste “acordo”, negociado com tanta hipocrisia e tantas segundas intenções pelo lado europeu e com os turcos a comportarem-se como mercadores de tapetes e a usarem os refugiados como a sua mercadoria, a Europa posicionou-se como o império romano na sua decadência: subcontrata aos “bárbaros” a segurança da sua fronteira sudeste, imaginando que para tal basta pagar-lhes o que pedem e ceder à sua exigência de se instalarem dentro dos “limes” do império.

Todos sabemos como isso acabou com o império romano. Podemos também imaginar como acabará com a União Europeia. Mas há uma enorme diferença: a do tempo, hoje tudo é infinitamente mais rápido. Um ano do tempo europeu tem mais “tempo” do que um século do tempo romano…

No cenário de implosão e fragmentação da “União”, traçado por Mark Fleming-Williams, há várias coisas que ficam clarificadas, como se pode ver no mapa anexo. Uma delas é o total fracasso da política do “bom aluno” (de perversos mestres) adoptada pelo Portugal cavaquista. Neste cenário, Portugal emerge como aquilo que já é: um dos grandes perdedores do jogo europeu, transformado em pequeno anexo de uma Espanha periferizada e também ela enfraquecida.

Camões, o nosso imortal Luis, tinha razão. Autor do primeiríssimo tratado de geopolítica global, ele “vê, claramente visto” e mostra como é perigosa para nós a aliança natural entre teutões e otomanos… Sim, os Lusíadas deverão servir para muito mais do que ensinar a “dividir orações” e… ficar a odiá-los. E o Luis era muito mais do que um poeta.

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