Etimologia significa, literalmente, as verdadeiras palavras ou, por extensão bem estendida, história verdadeira.
Sempre achei a etimologia uma ciência muito sedutora: conhecer a origem das palavras, as histórias que as explicam, a razão da sua formação.
E sempre achei as falsas etimologias ainda mais sedutoras. Porquê? Porque têm graça e porque são o resultado de um divertido exercício de imaginação. A longevidade das palavras é tal que, muitas vezes, só mesmo uma história engraçada nos consegue contar a sua origem. Outras vezes, as histórias embrulham-se de tal maneira que muito dificilmente se consegue descortinar a verdade.
Estas falsas etimologias ou etimologias populares já se encontravam nos mitos gregos. Desde esses tempos que as histórias de deuses e mortais que com eles conviviam explicavam o nome e as características de animais ou de plantas, por exemplo.
Umas vezes, o mito existe para explicar um nome, mas não nos diz como se chamavam as coisas antes de a história acontecer. As aranhas seriam, certamente, chamadas de qualquer coisa antes de Aracne ser transformada numa delas.
O mito de Aracne
Conta-nos o mito que Aracne (donde vem o radical que entra em palavras como aracnofobia e aracnídeo) era o nome de uma mulher que bordava tão bem que um dia ousou dizer que o fazia melhor do que a Atena, a deusa da sabedoria (que, de entre outras atribuições divinas por que é conhecida, também é deusa da tecelagem).
Disfarçada de velhinha, esta procura dissuadi-la da competição, mas Aracne, movida pelo orgulho (algo que os deuses gregos sempre castigaram nos homens, normalmente por inveja dos seus sucessos), manteve o desafio, causando assim a sua desgraça. Sim, porque a sua obra era, realmente, perfeita. Atena, enfurecida, rasga a obra da rival e agride-a. A pobre rapariga tenta suicidar-se e a deusa, agora compadecida, transforma a corda em teia e Aracne em aranha.
O mito de Jacinto
Outras vezes temos mitos em que o que é criado só passa a existir depois do acontecimento: é o caso do jacinto, a flor que recebeu este nome em homenagem ao jovem Jacinto que morreu vítima de inveja (sempre a inveja!) amorosa.
Diz o mito que Jacinto brincava com o deus Apolo (entre outras coisas, deus da música e da luz solar) quando Zéfiro (a divindade do vento oeste), que disputava com aquele deus a preferência do rapaz, ciumento da amizade que unia os outros dois, soprou sobre uma pedra que Apolo atirava, fazendo com que esta batesse na cabeça de Jacinto, que ali mesmo morreu. Nesse local, Apolo, inconsolável pela morte que ele próprio inadvertidamente causara, fez nascer uma flor a que chamou jacinto.
Hoje pensa-se que não será exactamente aquela conhecida entre nós com esse nome, mas uma flor mais parecida com o lírio, havendo deste último uma variante chamada, precisamente, lírio-do-zéfiro (ou lírio-da-chuva, o Zephyrantes rosea). Parece que a chuva que o vento oeste traz é boa para fazer crescer estas flores.
Mas enquanto quem não crê nestes deuses tem dificuldade em acreditar nestas etimologias, as outras, as populares, são aceites como verdadeiras por muitos, tendo a sua origem, por vezes, lugar na própria antiguidade.
O mito da cesariana
É o caso de cesariana. Propagou-se a ideia de que esta prática de dar à luz se deve ao próprio Júlio César (o que quis ser o primeiro imperador de Roma, mas não conseguiu), que dela teria nascido. Acontece que cesariana vem do verbo latino caedo (que tem a forma caesum num dos seus radicais), que significa «cortar», e muitos teriam vindo ao mundo deste modo, mesmo antes de Caio Júlio nascer.
Uma das razões que leva a estas falsas etimologias são as semelhanças. Às vezes, há palavras tão parecidas, tão parecidas, que devem ser parentes. Na maioria das vezes até são. Noutras, não.
Um dia alguém me perguntou se a palavra inglesa path (caminho) teria a mesma origem de pathos (sofrimento), pois tinham-lhe assegurado que sim. Pois, não tem. A origem de path, a ser na antiguidade, só se for no verbo patein, que significa «andar». Por exemplo, chamavam peripatéticos aos filósofos aristotélicos, pois ensinavam andando de um lado para o outro. Assim, patético é da família do pathein, «sofrer», enquanto peripatético é da família de patein, «andar».
E termino com a história que deu origem ao título desta crónica, satisfazendo a curiosidade dos que já se estavam a interrogar qual seria a razão daquilo.
Em grego, homos significa «o mesmo»; é este o elemento que entra na composição da palavras como homografia («que se escreve da mesma maneira»), homofonia («que tem o mesmo som»), homogéneo («que tem a mesma génese»; por extensão, significa «que se mistura bem», «igual») ou homossexual (que sente atracção por pessoa do mesmo sexo).
Ora, dizer-se de alguém que é um homem não é o mesmo que dizer que é um senhor, pois nesta situação está a dignificar-se a pessoa, a engrandecê-la, e não apenas a indicar que é um indivíduo do sexo masculino.
Dado que em latim homo significa «homem» (apesar do elemento que entra na composição de palavras portuguesas ser homin-, como em hominídeo) e que já ninguém liga a estas antiqualhas das etimologias, ouvi um dia uma pessoa, referindo-se a um casal homossexual que passava férias numa das casas que alugava no Verão: «São uns senhores sexuais muito simpáticos».
Com tantas parecenças na língua, não é de admirar que se continuem a inventar etimologias.
(Ligeiramente adaptado da crónica «Regressar às Origens», publicada no Jornal Sambrasense, Fevereiro de 20 p.09,25.)
[…] Source: Os senhores sexuais e outras histórias verdadeiras – Jornal Tornado […]