A decisão do juiz do Supremo Tribunal Federal/STF Gilmar Mendes de suspender a posse de Lula e reenviar a sua investigação para o juiz de primeira instância Sérgio Moro, em Curitiba, no âmbito da operação Lava Jato, ainda não é o ponto final na crise, longe disso. É apenas mais um episódio de uma novela cujo desfecho permanece em aberto e pode ainda ter final trágico.
Em primeiro lugar, há que ter em conta a especificidade do judiciário brasileiro, que aqui constitui um verdadeiro poder, com capacidades muito amplas, incluindo a possibilidade de derrubar um presidente eleito.
O modelo é o sistema norte-americano, mas numa variante tropical com desenvolvimentos inauditos e sem paralelo em qualquer país do mundo. Com a agravante de que as regras são confusas e os poderes se sobrepõem, dando origem a situações intricadas e contraditórias muito difíceis de deslindar.
Veja-se, por exemplo, o que se passa agora com a posse de Lula: houve pelo menos 52 acções com pedidos de suspensão em 28 Estados, dando origem a decisões contraditórias consoante as capitais e subsequentes recursos por parte da Advocacia Geral da União (outra particularidade brasileira) junto das instâncias superiores, igualmente com decisões díspares. Uma confusão!
Daí, os recursos vão para o Supremo, onde são distribuídos por sorteio pelos 11 juízes que o integram, os quais podem decidir de forma diferente – cada um seu paladar, até tudo acabar por chegar ao plenário do STF, que enfim, após debate aberto, transmitido pela televisão do próprio poder judiciário – TV Justiça – finalmente bate o martelo.
Estamos, portanto, ainda na fase das decisões “monocromáticas”, para usar um chavão jurídico brasileiro.
E aqui tudo depende da idiossincrasia de cada um. Gilmar Mendes é um conhecido adversário político de Lula e do PT, a quem não se inibiu, ao longo de anos, de criticar ostensivamente, sempre num tom bastante emotivo, que tem manifesta dificuldade em controlar. Lula teve azar e Gilmar terá proferido a sentença com indisfarçável gusto, with a vengeance.
Mas a decisão dele não é ainda definitiva e outros factores entram em jogo. Ao remeter de novo o processo para Curitiba, Gilmar retira-o das mãos de um seu colega, o juiz do Supremo Teori Zavascki, que pode não ter apreciado. O judiciário, como se sabe, por mais que tente, nem sempre é imune aos humores e rancores dos seus mortais intérpretes.
Precisamente por isso a Advocacia Geral da União vai agora recorrer para Zavascki, pedindo uma “liminar”, uma medida provisória que suspenda a decisão de Gilmar até decisão do plenário do STF.
O problema é que, entretanto, metem-se as férias da Páscoa e o Supremo só voltará a reunir no fim do mês. A não ser que Zavaski contrarie já o seu colega, Lula fica pelo menos uns dez dias sem protecção e Moro pode mandar prendê-lo.
Com as ruas mobilizadas e inflamadas pela retórica e por uma media em geral desfavorável a Lula e ao governo, a eventual detenção do ex-presidente poderia dar origem a uma onda de protestos, manifestações e contra-manifestações que poderiam facilmente redundar em violência.
Não é portanto exagero afirmar que o futuro do Brasil está agora nas mãos do poder judiciário.
Com o clima político ao rubro, as suas decisões têm que ser muito bem ponderadas para não darem azo a serem interpretadas como ditadas mais pela política do que pelo direito.
Porque a verdade é que nesta história não há bons de um lado e maus do outro, apenas polícias e bandidos. O PT deixou-se enredar em muitos escândalos de corrupção que não podem deixar de ser investigados, mas o juiz Moro passou claramente das marcas ao fazer escutas a pessoas não investigadas (incluindo advogados e membros do governo!!!) e ao passar para os media informações com o claro propósito de deslegitimar Lula da Silva, que – note-se – ainda nem sequer é réu, dando a ideia de uma perseguição ad hominem.
Não deixa de ser significativo que um dos grandes jornais do Brasil – a Folha de São Paulo – em geral pouco simpático para com o PT e Lula – tenha escrito esta semana, em editorial, que o imperioso combate à corrupção “não pode avançar à revelia das garantias individuais e das leis em vigor no país.”
Lula sacrificado na Páscoa, ainda sem processo nem contraditório, faria dele novamente um herói e poderia desencadear um processo violento de difícil controlo, trazendo para as ruas o que pode e deve ser decidido no âmbito da justiça, da política, da moral e do bom senso.
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