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Quinta-feira, Abril 17, 2025

Terrorismo: A Disfunção Europeia

José Mateus
José Mateus
Analista e conferencista de Geo-estratégia e Inteligência Económica

José MateusDepois dos ataques a Bruxelas, os dirigentes políticos europeus pedem calma e confiança nas “forças de segurança” mas estas há anos que denunciam as “falhas” na segurança criadas por decisões políticas… A gravidade da situação é tanto maior quanto estes ataques tinham sido antecipados pela “inteligência” belga e os decisores políticos europeus estão também informados de que este não foi um facto isolado.

“É preciso calma e confiar no trabalho das forças de segurança”, com esta mensagem, declinada em tons e ritmos diversos, dirigentes políticos europeus (até portugueses!) têm procurado sossegar os espíritos emocionados com os ataques islamistas a Bruxelas. Quem siga com alguma atenção estas matérias ao ler ou ouvir isto teve, porém, de fazer um sorriso amarelo. É que as “forças de segurança” denunciam há anos (mesmo publicamente…) a responsabilidade dos dirigentes políticos pelas “falhas” de segurança. As “falhas” de segurança – dizem – vêm da “decisão política”…

Um alto quadro da “segurança interna” francesa explicou mesmo que as dificuldades impostas, em 2008, no acesso aos dados da Tracfin (e, portanto, a impossibilidade de seguir em tempo útil as transferências financeiras do jihadismo) tinham sido criadas para impedir “indiscrições” à volta de Sarkozy e dos seus “generosos” amigos.

Essas declarações são públicas. Constam de uma investigação jornalística à acção dos “serviços” franceses face ao terrorismo (agora publicada em livro). Para o homem da DGSI, o acesso aos dados da Tracfin foi dificultado porque, no meio de tudo o que chegava apareciam, por vezes, coisas sobre financiamentos de partidos, de campanhas, etc. Portanto, Sarkozy legislou de modo a que os dados da Tracfin desaparecessem do quotidiano dos “espiões”… Simples e eficaz, para uns. Uma “festa”, para os terroristas. Uma catástrofe, para a França e, agora, também para a Bélgica.

Os “espiões” belgas (apoiados por franceses e marroquinos) tinham detectado e avisado atempadamente para a iminência destes ataques do Daesh a Bruxelas. Agora, irão surgir milhentas explicações sobre as “falhas” havidas e que permitiram a concretização de um ataque que tinha sido detectado.

Os responsáveis belgas deixaram que durante décadas se desenvolvesse à volta de Bruxelas uma espécie de “república salafista do Belgistão”, uma espécie de “zona de não-direito”, de “zona cinzenta”, de onde a autoridade do Estado tinha desaparecido, onde a “lei” é a das mesquitas radicais e onde alunos das escolas públicas aplaudiram aos saltos e com palmas o “êxito” dos ataques desta terça-feira.

Alain Chouet, um intelectual especializado em língua e literatura árabe (mas também homem de direito e de ciências políticas, diplomata em Beirute, Damasco e Rabat), que dirigiu durante anos o contra-terrorismo francês, perdeu a paciência, aquando dos atentados do Bataclan (também concebidos e organizados por islamistas do “Belgistão”), e disse publicamente que “há pelo menos um ano que os especialistas das informações agitam a bandeira para prevenir do risco iminente…”.

Alain Chouet, como outros, sabia que o poder político pouco ou nada tinha querido saber dos avisos que recebera sobre as decisões da reunião do Daesh que decidira da mudança de estratégia na Europa.

A nova estratégia de terror foi decidida numa reunião em Mossul, no fim de Junho 2015, presidida pelo próprio Abou Bakr al-Baghdadi. Aí foram definidos os alvos, os responsáveis pelas operações, o tipo dos seus executantes e o responsável máximo pela sua direcção, Abou Ali al-Anbari, patrão do “conselho de segurança e de informação do estado islâmico”.

O responsável da zona Paris-Bruxelas escolhido, nessa reunião, foi Abdelhamid Abaaoud (com poderes também para a Península Ibérica e para Itália). Este Abaaoud foi abatido numa troca de tiros com a polícia francesa, na madrugada de 18 Novembro passado, na sequência dos ataques de “sexta-feira, 13” de Novembro, em Paris.

A época dos ataques conduzidos por “lobos solitários”, apenas ligados pela net, terminou, portanto, no Verão do ano passado, para dar lugar a campanhas comandadas directamente pelo estado-maior do Daesh e dirigidas, na Europa, com larga autonomia operacional, por quadros veteranos à frente de soldados da jihad formados nas lutas da Síria e do Iraque.

Quer dizer, os responsáveis políticos tinham sido informados de que Abou Bakr al-Baghdadi tinha posto de pé uma campanha estratégica contra a Europa (para a qual, segundo boas fontes, dispunha de “recursos ilimitados”…) mas devem ter achado melhor esperar para ver o que aconteceria…

Marc Trévidic, especialista do contra-terrorismo, dizia publicamente, em finais de Setembro 2015, que “os dias mais sombrios estão ainda à nossa frente”. Porque, acrescentava, “tenho a convicção de que os homens do Daesh têm a ambição e os meios de nos atingir de forma muito mais dura, organizando acções de dimensão incomparavelmente superior às que conduziram até agora”.

Da responsabilidade do poder político são, portanto, escolhas e decisões políticas onde radicam as “falhas”. Escolhas e decisões que também levaram a uma burocratização dos serviços e à rigidificação do seu funcionamento, a uma imensa falta de gente no terreno, à perda do contacto com as “fontes humanas” e à ascensão da prática de uma informação de origem tecnológica em detrimento da informação humana.

E é este mesmo poder político que, agora, pede às pessoas que tenham calma e confiem no trabalho das “forças de segurança”… Como evitar, então, ao ouvir isto, um sorriso amarelo?

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