Os deputados espanhóis não revelam às Cortes (Parlamento) a origem de 25% dos seus rendimentos. As declarações de rendimentos apresentadas na legislatura de Mariano Rajoy, primeiro-ministro do país vizinho, estão incompletas: faltam dados obrigatórios por lei em pelo menos 200 casos, e outros dados obrigatórios não são solicitados. Um exemplo são as dívidas contraídas pelos parlamentares: um de cada quatro euros emprestados aos deputados tem origem desconhecida, o que totaliza 10,6 milhões de euros dos mais de 43 milhões concedidos.
A investigação do jornal espanhol El Mundo revela ainda que o grupo parlamentar onde se regista a maior percentagem de “dívida de credor não declarado” é o Podemos, com 45,8% (do total da dívida dos parlamentares da bancada) seguindo-se o Ciudadanos com 32,7%, Democràcia i Llibertat com 27,2%, o PP (Partido Popular) com 26,3%, e o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) com 14,3%. A mais baixa percentagem vai para os “verdes” do PNV, partido ecologista do país vizinho: 1,4%. As dívidas mencionadas pelo jornal dizem respeito a empréstimos concedidos aos deputados.
Traduzindo em euros, significa que, da sua dívida total de quase três milhões de euros, o Podemos tem quase 1 milhão e 330 mil euros de credor desconhecido. O Ciudadanos (cuja dívida total ultrapassa 5 milhões e 800 mil euros) regista nesse âmbito 1 milhão e 900 mil euros de dívida sem revelar a origem do credor. Já o Democràcia i Llibertat tem 250 mil euros de dívida “desconhecida” de um total de mais de 918 mil euros, enquanto o PP de Mariano Rajoy não revelou a quem deve mais de 5,5 milhões de euros (a dívida total ultrapassa os 21 milhões). O PSOE de Sánchez, que deve mais de 9,5 milhões de euros, apresenta uma dívida a credor desconhecido de mais de 1,3 milhões de euros. Os ecologistas do PNV têm cerca de cinco mil euros a pagar a credores desconhecidos de um total de 393 mil euros de dívida.
No capítulo do que foi declarado pelos deputados espanhóis na XI Legislatura do país, a partir de dados constantes na página online do Congresso, o grupo parlamentar do PP tem 119 deputados, que ganham em média mais de 86 mil euros. As dívidas declaradas chegam aos 176 mil euros. 31,9% dos parlamentares daquele grupo não tem dívidas.
Por sua vez, o PSOE (89 deputados) tem rendimentos na ordem dos 64 mil euros e dívidas na ordem dos 147 mil euros. 43,8% dos deputados dizem não ter dívidas. Antes de chegarem ao cargo, os 65 deputados do Podemos ganhavam em média quase 27 mil euros e tinham cerca de 44 mil euros de dívidas. 58,4% dos parlamentares do movimento liderado por Pablo Iglesias não tinham dívidas. O grupo parlamentar Ciudadanos (com 40 deputados) registou uma média de rendimentos de quase 40 mil euros por parlamentar, enquanto que as dívidas chegam aos 146 mil euros. Daquele grupo parlamentar, 27,5% dos deputados disse não ter dívida.
O formulário de cinco páginas, que cada parlamentar tem de entregar para fazer a declaração de rendimentos, pode favorecer a disparidade de interpretação dos dados. Existem instruções genéricas sobre as características de imóveis que estejam em nome do deputado, e não se pedem detalhes sobre outras entidades nas quais existam depósitos, por exemplo.
O Congresso espanhol diz não divulgar a quantia exacta paga a cada parlamentar porque tal informação já consta da página de internet, mas a mesma apenas contém o “regime económico geral” com os complementos salariais e as quantias mensais atribuídos todos os meses a cada cargo dentro da Câmara.
Diz o El Mundo que, como cada deputado cobra pelo menos dois rendimentos, para ter acesso à quantia total, é preciso saber que cargos e funções cada parlamentar desempenha ao longo do ano para somar os rendimentos. Obtém-se assim uma ideia em geral, sem contar com os rendimentos que possam auferir fora das Cortes espanholas.
O jornal afirma que contactou os parlamentares e que os próprios não são muito receptivos a entregar de forma clara e detalhada tais declarações. Os argumentos vão da falta de tempo até ao pouco hábito de tratarem desse tipo de documentos. Por sua vez, Jesús Serrano, director de comunicação do Congresso de Deputados do país vizinho, admitiu que a tarefa de verificar as declarações é complexa. A normativa e os regulamentos tanto do Congresso como do Senado não incluem procedimentos de validação e não existem sanções de ambos os órgãos legislativos para quem minta ou oculte bens na declaração. Também não são exigidos documentos sobre imóveis nem sobre participações em sociedades.
Em 2011, houve uma alteração de emergência à Lei Orgânica do Regime Eleitoral Geral do país vizinho, aprovada por todos os grupos parlamentares, onde os bens e rendimentos dos mesmos passaram a ser divulgados ao público pela primeira vez na história da democracia espanhola. Recorde-se que esta alteração legislativa ocorreu poucos meses depois das manifestações da Puerta del Sol, em Madrid, onde milhares de pessoas reivindicavam uma “democracia real”, em protesto contra a situação económica e política do país e pelo “direito à indignação”.
Cinco anos depois, o El Mundo constatou que muitos dos deputados contactados para completar a informação recolhida negaram-se a fazê-lo, alegando que seria uma violação à protecção de dados. A alteração à lei é clara quando afirma que esta divulgação dos rendimentos dos parlamentares “não invade direitos constitucionais”.
Recorde-se que, em 2013, a Fiscalía Anticorrupción (órgão espanhol de luta contra a corrupção) pediu ao Senado a declaração de rendimentos do ex-tesoureiro do PP, Luís Bárcenas, quando exerceu naquele órgão legislativo. Durante anos, essas informações não eram divulgadas, pelo que a Câmara Alta teve reservas na hora de as entregar, porém, a Mesa do Senado acedeu a revelar os documentos semanas mais tarde.
O património declarado durante seis anos pelo antigo senador do PP era muito inferior ao que a Audiencia Nacional (tribunal com jurisdição em todo o país) acusa de ter ocultado no estrangeiro. Luís Bárcenas chegou a acumular 22 milhões de euros em contas na Suíça, conforme desvendou uma investigação das autoridades no chamado caso da “contabilidade B” no partido de Rajoy, também publicado pelo El Mundo; essa investigação visando suspeitas de corrupção, suborno, e desvio de capitais, chegou a pôr em causa a liderança do ainda primeiro-ministro espanhol.