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É a sua terceira longa metragem totalmente filmada na selva amazónica local. O que este ‘abraço’ nos propõe é uma inquietante odisseia aos mistérios da natureza, captando de forma admirável o equilíbrio entre o vegetal o humano, pelo trabalho de fotografia de David Gallego, num registo absorvente, mas sem deixar de ser inquietante.
O filme acompanha duas explorações, a do investigador alemão Theo (o Jan Bijvoet de Borgman), em 1908, e do cientista americano Evans (Brionne David), em 1940, embora unidas pela ajuda de Karamakate (Nilbio Torres, em novo, e Antonio Bolivar, mais velho), um dos derradeiros membros de uma tribo local em vias de extinção, ambos em busca de uma planta milagrosa.
Entre essa boa metade do século XX, temos uma espécie de elipse que narra um processo de colonização desastroso para a região agudizado com a exploração e extracção da borracha, considerado na época o motor da civilização, mas também a morte para os nativos, e onde os portugueses, tal como os espanhóis, mais visados no filme através de um retrato maia negro das missões, tiveram uma fatia generosa da dos proventos, bem como dos danos causados.
No entanto, a presença portuguesa acaba por ter outras marcas, neste caso, num plano mais cinematográfico, deixado pela marca profunda que o filme Tabu, de Miguel Gomes, deixou na iconografia da natureza colonial captada em tons de cinzento. No entanto, a forma de captar a proximidade (e incapacidade) do homem branco perceber a selva, ficou bem mais vincada no estranho e inquietante Posto Avançado do Progresso com Hugo Vieira da Silva, desde logo partilhada por essa proximidade ao universo de Joseph Conrad.
Isto apesar da proximidade óbvia de Werner Herzog, especialmente em Aguirre, a Cólera de Deus, de 1972, com a expedição espanhola ao suposto El Dorado, bem como, o épico Fitzcarraldo, em plena selva amazónica, dez anos depois.
Logo no início da sua jornada, Karamakatu exorta o alemão Theo a respeitar as leis da natureza como a única forma de poder sobreviver na floresta e, eventualmente, encontrar a yakruna, a tal planta milagrosa. Mesmo que estes dois ‘brancos’ estejam movidos de intenções de descoberta científica, ficará claro, a cada um na sua altura, que ambos acabam por ter diferentes agendas, desconformes com esse equilíbrio natural.
Um digníssimo nomeado ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, a concluir um percurso notável que começou com o prémio CICAE, em Cannes, e depois de coleccionar prémios e distinções pelos diversos festivais por onde passou. Seguramente, um dos mais belos filmes sobre as leis da natureza e os códigos de sobrevivência, a par com o inevitável confronto colonial.
Depois do realismo absurdo de La Sombra, um pequeno objecto de culto de baixíssimo orçamento, também a preto e branco, de 2004, realizado apenas aos 23 anos, Ciro Guerra esboçou uma nova deambulação em Los Viajes del Viento, de 2009, que acabou por o afirmar, desde logo pela presença em Cannes na secção Un Certain Regard. Acrescentando agora este Abraço da Serpente, talvez se consiga traçar esse elemento comum de procura, embora sem nunca abdicar de uma identidade profundamente colombiano.
Nota: A nossa avaliação de * a *****