Talvez (talvez, não, de certeza!), Boca do Inferno é a secção mais audaciosa do IndieLisboa. Algo que se foi impondo com o tempo e hoje, este ano, afirma algumas das propostas mais fascinantes da 13ª edição.
Uma secção que só vale a pena enfrentar de mente aberta e os cinco sentidos à flor da pele. É claro que temos Love, de Gaspar Noé, o tal filme que eleva o erotismo à terceira dimensão, com a promessa da procura dos limites do sexo, ao passo que o desafio que nos propõe A Lagosta, do grego Yorgos Lanthimos, aqui a embarcar numa grande co-produção internacional – de certa forma, o oposto de Noé -, com o desafio de encarar a intimidade da forma mais recatada, quase como um jogo ou reality show. Estiveram ambos entre as propostas mais audaciosas de Cannes 2015, e confirmam-se entre os filmes mais excitantes para este ano.
Isto sem esquecer o curiosíssimo projecto de reproduzir, na sua garagem, um dos grandes feitos de Spielberg, em Raiders of the Lost Arc: The Adaptation; ou a ousadia de propor uma Maratona Boca do Inferno, com uma longa sessão no cinema Ideal durante toda a noite, conjugando curtas e longas. A fazer lembrar os míticos aniversários do desaparecido cinema Quarteto, com sessões das 22h às 10 da manhã.
No nosso caso, começámos mesmo por descobrir as propostas da Boca do Inferno pela obra de Eric Zala, o tal adolescente que desafiou os amigos para refazerem o filme Os Salteadores da Arca Perdida. Isto em 1989. E o que se vê, dentro de um registo tão amador quanto dedicado, é nascer diante dos nossos olhos a sensação de recuarmos no tempo para ver, plano por plano, todas as cenas do filme.
Há ainda outras propostas ousadas, como o documentário encenado dos irmãos búlgaros que descrevem os seus encontros amorosos na noite de Viena e como ganham a vida em bares de alterne, numa comparação adequada a Pasolini e ao Fassbinder de Querelle. Ou ainda a deriva determinada, ainda que menos conseguida, do namorado de uma bailarina em registar em câmara o seu dia-a-dia, em La Californie, até a um limite onde testemunhamos o seu desenlace.
De resto, esta estreia de Charles Redon começa com ele a revelar que está a gravar a ruptura do casal. Curioso ainda o ponto de partida do germânico Der Nachtmahr, assinado por Akiz, sobre o delírio adolescente, as raves, os excessos partilhados nas redes sociais, abrindo mesmo a hipótese de um encontro (e algo mais) entre uma jovem e um monstro. Um terceiro filme onde se regista alguma segurança na abordagem ao universo, à sua transição para o género do insólito e horror, mas que não consegue manter a mesma coesão para um final igualmente ajustado.
Vindo de Sundance, com o prémio de melhor realização na mala, The Witch propõe a fixação do nome de Roger Eggers nesta sua proposta à época puritana na Nova Inglaterra, com a sua purga às bruxas, por volta de meados do século XVII, e junta-se ao mexicano Un Monstruo de Mil Cabezas, de Rodrigo Plá, igualmente a fazer um percurso de festivais premiados (ganhou ainda este mês a Tulipa Dourada em Istambul), embora aqui o ‘monstro’ resida no aparelho burocrático contra o qual uma mulher tem de lutar para forçar a que o seu marido receba os necessários cuidados de saúde.
Uma palavra ainda à selecção de curtas que vale bem a pena ser descoberta. Há lá uma centelha de John Carpenter em The Puppet Man, de Jacqueline Castel, vídeos de found footage (Metube II), cavalos cor-de-rosa (Lesley the Pony Has a A+ Day!), entre outras iguarias.
Deixamos para o final, Evolution, de Lucile Hadzihaliovic, colaboradora de Gaspar Noé, na sua derradeira e única exibição, sábado dia 30 (sempre no cinema Ideal), vencedora do prémio especial do júri no festival de San Sebastian, a explorar as relações insólitas de maternidade e puberdade encaradas de um ponto de vista fantástico. Vamos ser engolidos!
Programa
Bruder der Nacht, de Patric Chiha (Áustria)
La Californie, de Charles Redon (França)
Evolution, Lucile Hadzihaliovic (França)
The Lobster, de Yorgos Lanthimos (Irlanda, Reino Unido, Grécia, França, Holanda, EUA)
Love, de Gaspar Noé (França, Bélgica)
Dar Nachtmahr, de Akiz (Alemanha)
Raiders of the Lost Arc: The Adaptation, de Eric Zala (EUA)
Un Monstruo de Mil Cabezas, de Rodrigo Plá (México)
The Witch, de Roger Eggers (EUA, Canadá)