Numa empresa multinacional do Porto as manhãs começam a burrificar as pessoas quando o “coordenador” entra na sala e pergunta à dezena de “colaboradores”: “Então, está tudo verde?”. A maioria, saída da manhã arrastada no trânsito com os seus BMW a prestações – que custam e impedem o parmigiano no frigorífico e a morcela no assador (opções) -, dão gritinhos entusiasmados: “Siiiimmm”.
Conta-me isto um amigo obrigado a assistir à palermice. Parece que agora é moda, nas modernaças empresas, perguntar se as pessoas estão bem-dispostas com a frase que traduz para a linguagem boçal a cor dos ícones da Internet.
Eu nem sei se consigo explicar isto bem. Verde é bem-disposto. Se um gajo estiver triste e uma cabeça estragada, não sei qual a cor. Provavelmente roxo.
Esta infantilização da linguagem dos locais de trabalho é uma tentativa de burrificar toda a gente. Começou com o atentado de chamar “colaboradores” aos trabalhadores. Prosseguiu com a invenção do team building. Andou mais quando se convidaram os “oradores motivacionais”. Qualquer dia estão todos os engenheiros a brincar com Lego Bloc e as pontes a cair que nem os tordos.
Uma vez levaram um grupo de jornalistas para uma sessão de “team building”. Eu, que abomino casamentos e festas no Farol, fui ver o que era.
Lá estava um casalinho com ares de testemunhas de Jeová, aprumados; ela com a saia pelo joelho a lembrar o Marco Paulo em “uma louca na mesa / uma lady na cama”; ele de gravata e fato. Propuseram logo que subíssemos a uma cadeira, para começar. Perguntei como subir a uma cadeira faria de mim melhor jornalista. Não me responderam. Fui beber whisky para o bar. Ignoro por isso os ensinamentos do alto do estofo.
A praga dos “oradores motivacionais” está sintetizada no Doutor Sequeira, aquele branco de carapinha que se candidatou a Presidente. Julgo que falam uma hora a dizer: força, pá, tu consegues ser ainda mais obediente.
Mas percebo o truque. Quanto mais estúpida e simples a linguagem e o modo, menos hipóteses há de os trabalhadores serem pessoas. A ideia das empresas grandes (e pequenas, se calhar) é impedir todos os trabalhadores de pensar, questionar, agir por vontade própria.
A mentalização da massa trabalhadora através da infantilização e da simplicidade facilita um sentimento de pertença simples e sem esforço. Ora, com esta troca, a de o trabalhador pertencer ao grupo sem qualquer exigência, satisfaz-se a exigência da terceira camada da pirâmide de Maslow: a das necessidades sociais.
A camada seguinte, a da auto-estima, é imediatamente metralhada. Porque a de baixo, a da segurança (do emprego, neste caso) fica em risco se algum “colaborador” deixar de co-laborar. Ora, está visto, o objectivo é anular o indivíduo, infantilizando-o e estupidificando comportamentos e pensamento.
O ataque à dignidade está em marcha, mas com o beneplácito de milhares de pessoas que se prestam ao papel de verdugos dos seus iguais.
Se estou verde? Sim.
De raiva.