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Quinta-feira, Janeiro 23, 2025

Eu, tu, eles e nós, trabalhadores do Brasil!

Christiane Brito, em São Paulo
Christiane Brito, em São Paulo
Jornalista, escritora e eterna militante pelos direitos humanos; criou a “Biografia do Idoso” contra o ageísmo.  É adepta do Hip-Hop (Rap) como legítima e uma das mais belas expressões culturais da resistência dos povos.

Para homenageá-los, ninguém melhor que Regina Casé, atriz que interpretou no cinema a mesma personagem em dois filmes diferentes: ela é a mulher que nasceu na miséria e trabalha, quase como uma devota, por um prato de comida.

regina-case-em-cena-do-filme-eu-tu-eles-1440621374413_615x3001No primeiro filme, “Eu, Tu, Eles” (direção de Andrucha Waddington, ano 2000), a protagonista não tem opção para escapar do destino de ser “bóia-fria” (trabalhador rural contratado por terceiros para a colheita no campo a troco de pouca paga, quase que um prato de comida).

Casa-se para conseguir uma casa (primeiro marido, com quem tem o primeiro filho), depois arruma um amante para afastar a solidão (com o qual tem o segundo filho) e, finalmente, tenta ser feliz com um companheiro de labuta, do qual engravida pela terceira vez.

Os arranjos satisfazem a audiência, que torce para Regina conseguir viver com seus três homens e três filhos sob o mesmo teto, mas não ajudam a mulher a andar um milímetro em direção a uma verdadeira mudança de vida. Está fadada a trabalhar para sustentar seis homens e também o “patrão”, uma espécie de entidade que lhe proporciona o sustento, como um Deus.

Por isso não reclama.

regina-case-em-cena-do-filme-que-horas-ela-volta-1438879797122_956x500No segundo filme, “Que Horas Ela Volta?” (direção de Ana Maria Muylaert, 2015), a protagonista trabalha em uma casa de família como empregada doméstica. Pode-se dizer que, apesar de ter migrado para a cidade, não progrediu muito. Continua a devotar-se aos patrões, que agora têm rostos e nomes, como a um deus que garante o seu futuro.

A diferença de 15 anos entre um filme e outro de Regina Casé mostra dois Brasis diferentes: no primeiro, não havia chance de a protagonista sair do papel subserviente; no segundo, a filha, Jéssica, rompe a maldição e tira a mãe desse papel humilhante.

Seria possível concluir que o Brasil miserável tende a diminuir enquanto as “Jéssicas” se insubordinarem e buscarem os estudos para superar as contingências da origem pobre.

Mas não: no Brasil de 2016 ninguém está a salvo de trabalhar como um bóia-fria, ganhando pouco pela diária e sem direitos trabalhistas.

Nossas Jéssicas estão lutando, como a personagem do filme, contra o preconceito e o ódio que despertaram nos patrões por terem ascendido intelectual e socialmente.

Os patrões e filhos de patrões — como o que abriu a porta da mansão para a filha da empregada, no filme – lutam para não perderem tudo o que conquistaram. É justo, ninguém quer perder o que tem, mas há duas atitudes que podem facilitar o convívio com altos e baixos da vida.

A primeira é se conscientizarem de que não pertencem à aristocracia socioeconômica e intelectual. A segunda é desenvolver o espírito fraterno o bastante para lutar pela maioria, porque os benefícios conquistados podem se estender a todos.

 

Caricaturas do poder

Escrever é fácil, mas fora da ficção não é tão simples identificar onde está a Jéssica, se a caminho dos estudos superiores ou se já é patroa, depois de os pais ou avós terem sido operários.

Essa confusão é que deu origem à nossa atual “crise de identidade”. A definição é de um ex-político e faz todo sentido para mim: há cerca de cinco anos, achei que eu estava vivendo uma crise pessoal de valores. Mas não, a crise é social e envolve a identidade de classe.

A aristocracia – que nunca saiu às ruas num primeiro de maio, nem para ver show gratuito no parque – é o “Eu”, primeira pessoa do singular; o povo que está ascendendo socialmente é o “tu” e, ao mesmo tempo, o “eles”, para a aristocracia. A ampla classe média, no entanto, nunca percebeu que ela é o “nós”, ora junta-se ao “Eu”, com boa sorte; ora cai para o lado dos “tu” e “eles”, maioria.

Pode ser rica ou miserável.

Para escapar aos extremismos, a única saída é compreender que a luta pela democracia é de todos.

 

A origem da luta

Os primeiros imigrantes europeus trouxeram ideias sobre leis trabalhistas, que foram determinantes para a organização da classe operária no Brasil.

Em 1917, o país parou para a Greve Geral dos trabalhadores, que atingiu comércio e indústria. Foi o despertar da classe para a luta por seus direitos. Pode-se dizer que o feriado de 1º de maio, em 1925, chegou como uma primeira tentativa de desarmar os protestos.

Em vão. A articulação do governo Artur Bernardes não teve sucesso e os operários transformaram o feriado em dia de protestos operários, greves e manifestações.

Quando Getúlio Vargas chegou ao poder, a data tornou-se a escolhida para o anúncio de benefícios aos trabalhadores. Foi assim que o “Dia do Trabalho” tornou-se “Dia do Trabalhador” e passou a caracterizar-se por desfiles e festas populares.

Em 1943, Vargas anunciou a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), regime que serviu de modelo para a Constituição de 1988.

Se a CLT beneficiou gerações e milhões não foi sem esforço: ela teve que penetrar (e até hoje não conseguiu completamente) setores como o rural, marcados pela exploração quase escravagista.

A CLT e outras leis trabalhistas não são patrimônio público, podem ser derrubadas com vetos e votos dos nossos políticos. Por isso a luta pela manutenção e pelo avanço nos direitos trabalhistas que beneficiaram a maioria é de todos.

É bom lembrar que a geração dos seus filhos e netos pode ser beneficiada caso os seus antepassados não tenham precisado dos direitos trabalhistas (entre eles as leis da aposentadoria) para sobreviver.

Nota: a autora escreve em português do Brasil

 

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