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Quinta-feira, Abril 17, 2025

Refugiados, Zizek e os complexos da esquerda

João Vasco AlmeidaSlavoj Zizek é uma besta boa. No seu livro sobre os refugiados descasca o osso da esquerda europeia e mostra a medula petulante e de alguma superioridade moral que os socialistas e sociais-democratas têm ao lidar com a crise dos fugidos de guerra.

O que Zizek propõe é que a malta está a expiar os preconceitos morais da esquerda acolhedora, apoiando a política de caridade, em vez de se bater por resolver o verdadeiro drama: a guerra e a defesa de valores civilizacionais europeus. O filósofo esloveno diz que não há pachorra para um Je Suis Charlie que depois pouco se interessa se a sociedade que se define assim possa desaparecer.

Zizek tem razão, mas dar-lhe razão é uma gaita. A esquerda europeia tornou-se uma pietà, deixou de ser combativa e não percebeu que o que gira à volta do mundo é o dinheiro. A globalização é a do capital, não a dos valores da democracia. O filosofo defende ainda que ou se tem força para defender o que resta, na redoma da Europa, dos valores essenciais da liberdade, igualdade e fraternidade ou, em breve, nada disto existirá, pois a invasão dos dogmáticos da fé com mensagens assassinas farão erodir a nossa base cultural.

A esquerda tem complexos, é verdade. Quando vê os barcos a afundar no Mediterrâneo não se lembra de construir muros nem de pôr o exército em beach head, a impedir a marcha aos potenciais salvíficos. Deseja, lá dentro, salvar toda a gente, acolher toda a gente e viver numa ilustração de brochura da Despertai.

O esloveno sublinha, bem, que a esquerda está a olhar para a forma (o corpo do ser humano, massacrado e em fuga) e esquece-se de perceber que aqueles homens e mulheres trazem software lá dentro que podem ser perigosos para o modo de vida que a redoma europeia escolheu.

Um exemplo disso, sustenta, é o apoio das feministas estado-unidenses à segunda guerra contra o Iraque. Diziam as senhoras que a guerra ia libertar as iraquianas do jugo do islamismo desigual e ficariam, finalmente, livres.

Aconteceu tudo ao contrário. Hoje as mulheres no Médio Oriente estão pior, defende o académico.

"A Europa à Deriva", editora Objectiva
“A Europa à Deriva”, editora Objectiva

Como o Mundo não se compadece com o Despertai e suas maravilhosas propostas urbanísticas, há que ter força ao defender aquilo que resta de valores sociais. O livro, bem, explica que o capitalismo já tem uma ideologia lá dentro e não precisa das esquerdas e das direitas. Claro, Zizek demonstra que a Arábia Saudita é um país capitalista e globalizado, que está nos mercados todos e cumpre as regras que a Europa anda a querer impor-se a si mesma – e que esta soçobra ao não perceber que corre atrás não da globalização mas do suicídio pela moeda.

“A Europa à Deriva” é um estalo, mas merecido. Em vez de ir pelo caminho bacoco que a direita vai ao criticar a esquerda por fora, descasca-a por dentro, com grande eficácia, e apenas levanta perguntas e dúvidas. É bom tempo de as começarmos a discutir.

 

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