Michel Temer já deve ser o putativo Presidente do Brasil por esta hora. Às dez e meia de Lisboa discursa o último senador brasileiro no que é um processo kafequiano da democracia de um dos melhores e maiores países do mundo.
Dilma Rousseff, eleita para o segundo mandato como presidente, cai com estrondo mas, segundo os constitucionalistas, sem razão jurídica.
A causa para demitir Dilma é simples: o governo escondeu, durante a passagem de um mês para outro, dívida do Estado em empréstimos bancários, uma desorçamentação simples que permite apresentar, no fecho do ano, contas melhores do que as reais. Já aqui o escrevi: quase todos os organismos de Estado em quase todos os países usam este esquema: ou por deferimento de pagamentos ou por manha orçamental.
No Brasil todos os governos o fizeram. Em Portugal, embora com um esquema diferente, também se passaram para o Orçamento seguinte despesas já feitas, a ver se, no nosso caso, a União Europeia não nos vem maçar.
Haveria milhares de razões para não gostar de Dilma, mas a razão final que o PMDB, o PSDB e os satélites destes dois partidos do centrão encontraram apenas revelam um mal estar com um país e um povo que durante anos lhes disse que não queriam mais mordomias para os que mais têm.
O PT, partido de Dilma e Lula, está tão entalado na corrupção como os partidos que agora disferem golpe contra os trabalhistas. Mas como parece que não há dignidade nem vergonha, PSDB e PMDB, Temer e Aécio, estão juntos por ora na corrida ao poder dos poderes. É preciso calar as investigações de corrupção, dominar de novo o Estado.
Fernando Henrique Cardoso, o Presidente antes de Lula, veio dizer que Dilma não é corrupta. Lula também. A Collor não se liga, por razões históricas, felizmente.
Mas um senado que está às cinco da manhã a destilar veneno é um senado que não olha para o povo, mas sim para o poder próprio. A maioria dos senadores queria dar aos Brasileiros um novo presidente, antes destes acordarem.
Na noite das facas longas, como a boa tradição anti-democrática manda, o senado vai falhar. O Brasil está a acordar e vai ver, já viu, os seus representantes sonolentos e perdidos, a colocar o tapete vermelho a Michel Temer, o vice-presidente que vai assumir o Planalto – político que começou apoiado pelo dinheiro dos bicheiros, diz-se à boca cheia em São Paulo.
Há tudo a Temer, neste novo Brasil que muda de madrugada o que o povo escolheu nos dias claros.