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Sexta-feira, Julho 26, 2024

A questão da soberania de Timor-Leste

M. Azancot de Menezes
M. Azancot de Menezes
PhD em Educação / Universidade de Lisboa. Timor-Leste

Professor/Formador de Professores Mestre em Educação – Especialização em Supervisão e Orientação Pedagógica (Univ.Lisboa) - Sec Geral do PS Timor

As consequências da assinatura do Tratado do Timor Gap entre a Austrália e a Indonésia foram a divisão da exploração marítima por áreas

As negociações entre a Austrália e a Indonésia que culminaram no Tratado do Timor Gap não tinham como acordo haver delimitações definitivas das fronteiras mas ficou estabelecido um pacto para a exploração entre os dois países.

As consequências da assinatura do Tratado do Timor Gap podem ser facilmente compreendidas se tivermos em consideração as teses defendidas por Lundahl & Sjõholm (2006), Ishizuka (2004), Trigs & Bialek (2002) e Kay (1994), autores citados por Hãrterich (2013) numa pesquisa muito interessante sobre o petróleo e a questão da delimitação das fronteiras marítimas.

O Mapa que se apresenta da autoria de Mercer (2004) é fundamental para a compreensão do problema porque ilustra de forma muito esclarecedora como é que as divisões da exploração do mar de Timor se concretizaram, distribuídas por áreas, à revelia de Timor-Leste, e da Convenção UNCLOS.

Uma das questões estratégicas que está na ordem do dia em Timor-Leste, e volto a afirmar,  é a anulação dos tratados celebrados pela Austrália e Timor-Leste e a exigência da delimitação definitiva das fronteiras marítimas, à luz da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS).

Mapa adaptado de Mercer_2004_2Através do Mapa adaptado de Mercer (2004) é possível observar a marcação de três Áreas (A, B e C), criadas a partir do Tratado do Timor Gap, e que serviram de guião para que a Austrália e a Indonésia explorassem o petróleo do mar de Timor com alguma harmonia entre eles.

Para este efeito, o Tratado do Timor Gap incluía a criação de duas instituições, o Conselho Ministerial e a Autoridade Comum.

Segundo Kaye (1994) & Hãrterich (2013), o Conselho Ministerial englobava ministros dos dois Países que tinham como principal missão administrar os assuntos ligados à exploração dos recursos petrolíferos na Zona de Cooperação situada entre a Área B afecta à Austrália e a Área C atribuída à Indonésia, e a Autoridade Comum estava indicada para as decisões técnicas de rotina.

De acordo com a pesquisa realizada pelos dois autores (Kaye, 1994 & Hãrterich, 2013), a Área B (parte Sul) estava sob administração da Austrália, e por isso tinha direito a 84% dos rendimentos da exploração dos recursos petrolíferos e a Indonésia recebia 16%.

A Área C (parte Norte) pertencia à Indonésia e por esta razão tinha direito à maior fatia, segundo Ishizuka (2004) e Hãrterich (2013), com 90% e a Austrália com os restantes 10%.

A Área A, onde estava a chamada Zona de Cooperação supervisionada pelo Conselho formado por Ministros da Austrália e da Indonésia, seria explorada em comum e o rendimento distribuído pelos dois Países.

petroleo-timor

 

A riqueza dos campos petrolíferos de Bayu Undan e Greater Sunrise

Nos termos do Acordo do Timor Gap (Timor Gap Treaty), os campos petrolíferos mais cobiçados eram e continuam a ser o Bayu Undan e o Greater Sunrise. O primeiro está situado na denominada Zona de Cooperação mas muito perto da Área B atribuída à Austrália. O segundo campo petrolífero, o Sunrise, 2,5 vezes maior que o Bayu, está um pouco afastado da Zona de Cooperação e situa-se mais próximo da Área C, atribuída à Indonésia.

Estes campos petrolíferos são muito cobiçados pela enorme riqueza em gás natural e petróleo. Segundo alguns especialistas, o campo do Greater Sunrise pode ter reservas em gás na ordem dos 5 (cinco) triliões de pés cúbicos (um pé cúbico equivale aproximadamente 0,02831685 metros cúbicos ou a 28,3169 litros), havendo por isso muitas empresas internacionais interessadas na exploração de petróleo e gás neste campo pois poderia render a Timor-Leste mais de $4.000 milhões de dólares. Mesmo que as estimativas não estejam completamente certas e actualizadas sobre as riquezas de Bayu Undan e do Greater Sunrise, segundo vários especialistas, os valores são sempre muito elevados.

Segundo o estudo de Serra (2006) intitulado, Timor-Leste: o petróleo e o futuro, de acordo com estimativas recentes, em Bayu Undan, poderá haver cerca de 175 milhões de barris de LPG (Liquified Petroleum Gas), 229 milhões de barris de crude e 66 milhões de toneladas de LNG (Liquified Natural Gas), no total equivalente a 1,05 mil milhões de barris de petróleo.

De forma análoga, de acordo com a mesma pesquisa, no Greater Sunrise, haverá 300 milhões de barris (condensado) e 177 milhões de toneladas de LNG, num total equivalente a cerca de 2.05 mil milhões de barris de petróleo. Se os valores actuais são estes ou não, mais ou menos elevados, para o caso o que importa aqui colocar em relevo é que o total das riquezas dos campos petrolíferos em Baydu Undan e Greater Sunrise pertencem a Timor-Leste, portanto, por uma questão de soberania, não podemos deixar de fazer as nossas exigências independentemente da vontade da Austrália.

 

Década de 90 – Tratado do Mar de Timor (Timor Sea Treaty)

Desde o referendo, em 1999, até 2002, em que Timor-Leste esteve sob administração da UNTAET (United Nations Transitional Administration in East Timor), as negociações continuaram, desta vez entre a UNTAET e a Austrália, e deram lugar ao Tratado do Mar de Timor (Timor Sea Treat), que tinha como objectivo manter as explorações no Timor Gap, que tinham iniciado com o Timor Gap Treaty. Neste novo tratado, praticamente não havia alterações, para além da dita Zona de Cooperação passar a chamar-se JPDA (Joint Petroleum Development Area). Este tratado (Timor Sea Treaty), segundo Serra (2006), tinha dois “grandes acordos”.

O primeiro, negociado no tempo da UNTAET, reconhecia a Área A como zona de exploração conjunta, e preconizava que Timor-Leste teria direito a 90% das receitas, e a Austrália aos 10% restantes. Contudo, estas receitas eram extremamente reduzidas porque o Bayu Undan ainda não estava a ser explorado. Daqui se depreende que os tais 90% de receitas resultavam apenas do recebimento de impostos e royalties.

O segundo acordo, defende o mesmo autor, decorria do facto da Austrália continuar a não querer rever as fronteiras marítimas, para continuar a explorar e enriquecer à custa do mar de Timor-Leste, mas também com receio de que a Indonésia utilizasse a mesma argumentação e pedisse a revisão das suas fronteiras marítimas. Assim, a Austrália decidiu atribuir a Timor-Leste 50% das receitas do Greater Sunrise com a condição de que não se discutisse a questão das fronteiras por um período de 50 anos!

Este acordo que previa a não discussão da fronteira por um período de 50 anos, datado de 20 de Maio de 2002, já com Timor-Leste independente, diz respeito à exploração do Mar de Timor, foi assinado pelos antigos primeiros-ministros, John Howard (Austrália) e Mari Alkatiri (Timor-Leste), e como referi, foi fortemente contestado pelo Partido Socialista de Timor (PST).

Dili-vista-aereaDe facto, o PST, em 20 de Maio de 2002, organizou uma manifestação e uma concentração de protesto frente ao actual Centro de Convenções de Díli (antigo mercado Lama), local onde se iria celebrar o acordo ou a assinatura doTratado do Mar de Timor, pelos Governos da FRETILIN e da Austrália. Este acordo, de entre outras disposições, relembre-se, determinava que as fronteiras marítimas não deveriam ser discutidas durante 50 anos! Por esta razão, o acordo foi repudiado, tendo-se assumido um posicionamento nacionalista e que presentemente, felizmente, está a ganhar simpatias e a envolver consigo organizações nacionais e internacionais em defesa da bandeira da RDTL.

Posteriormente, entre 2002 e 2003, o PST levou a cabo outras acções de protestos, uma delas foi a realização de uma greve de fome, e também de palestras, frente à embaixada da Austrália em Timor-Leste. Apesar das contestações do PST e da sociedade civil que aderiu aos protestos, o Timor Sea Treaty entrou em vigor em 2 de Abril de 2003. Pior do que isso, foi também assinado o Tratado sobre Certos Ajustes Marítimos no Mar de Timor(CMATS), em 2007. Segundo o CMATS, o período de validade do Tratado do Mar de Timor (Timor Sea Treaty) foi prorrogado até 2057!

Leia a Parte 1  A questão da soberania de Timor-Leste

Parte 3: As reivindicações de Timor-Leste em relação à totalidade dos campos petrolíferos de Bayu Undan e Greater Sunrise nos termos da Lei Internacional do Mar   (a publicar, amanhã)

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