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Domingo, Setembro 1, 2024

A aldeia para onde queres ir não existe

João Vasco AlmeidaA aldeia é a tua meta, quando na avenida há dezenas de carros em segunda fila, dois ciclistas que ocupam seis faixas, uma repartição de finanças que não te larga com coimas de um processo que pagaste há dois anos. A aldeia não existe. Mas não esmoreças.

A aldeia que pensas, onde vais plantar batatas e oliveiras, tratar de te curar da vida urbana, encontrar pessoas doces e simpáticas, tudo a andar devagar e o tempo a ser aproveitado é uma miragem que, por muito que persigas, acabará por revelar-se um enorme bicho carpinteiro.

Às oito e meia da noite não se ouve vivalma, a não ser lá do fundo, no tasco infecto e único, onde bebes café de manhã mas à noite evitas. Há Benfica TV e os comentários são iguais aos da cidade. Nas ruas asfaltadas há sempre uns miúdos com vinte e tal anos que ensaiam para o grande prémio sem perceber que não há passeios e que aqui os putos andam mais soltos.

À chegada vão olhar-te de lado, a ti e à companhia que levares – lá vêm os ricos da cidade para o distúrbio da nossa pacatez. A amadia demora oito a dez anos, a oliveira sete, no mínimo. Conhecerem-te no burgo uns cinco, mas terás de escolher o lado de que estás. As aldeias fazem-se de opções, são mais cruas, mais honestas e brutais que a cidade.

O idiota do carro na avenida nunca mais o vês. No primeiro dia que te cruzares com o idiota na aldeia, nunca mais o deixas de ver. Terás de conviver com ele. Terás de lhe comprar coisas, ou tratá-lo bem porque podes precisar dos serviços que presta – é o único canalizador, ou electricista que há.

Gasolina a dez quilómetros, tabaco depois das dez não há, beber um copo é viajar trinta quilómetros.

Vai, mas prepara-te
Vai, mas prepara-te

Seis meses depois, garanto, estarás em reclusão, os amigos da cidade acham-te piada mas não fazem a estrada para te ver como nos dois primeiros meses.

A aldeia que pensas não existe porque as aldeias não são o que tu pensas. Obrigam a uma honestidade brutal, um estofo psicológico e diplomático, um conhecimento de coisas que nunca te passaram pela cabeça.

Claro que,se ultrapassares tudo isto, nunca serás tão feliz como na aldeia, mas saberás que afinal imaginaste tudo ao contrário e que este burgo fez de ti uma pessoa real, translúcida, mais honesta e com zero anonimato.

Sabes, penso que a maioria não está preparada para a aldeia. É preciso muita leitura, muita alma e muito calo de vida. E tu só podes ir para a aldeia quando o gajo da avenida não te irritar – tens de ser aldeia antes de lá estar.

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