Creio ser pacífico reconhecer que o primeiro sujeito suspeito pela propagação desta epidemia de défices orçamentais, dívida pública, dívida privada, desequilíbrio das contas externas, desemprego, falta de investimento, contracção do PIB, perda de competitividade internacional, insolvência dos bancos, etc., foi, certamente, um pobre.
É do conhecimento geral que os ricos não ocasionam este tipo de problemas.
Analisemos com detalhe as razões supra:
1) o caso do défice orçamental é emblemático
Os pobres adoecem, os irresponsáveis, causando assim despesas inadmissíveis com a saúde. Ele é os médicos, ele são os meios complementares de diagnóstico, ele são os medicamentos.
Como se isto não bastasse os pobres envelhecem com uma inexorabilidade de causar inveja, os desavergonhados.
Num mundo ideal os pobres que causassem este tipo de maçadas, inconveniências e despesas, sim chamemos os bois pelos nomes, despesas, seriam entregues à lei de Darwin: se é boa para as bactérias e para os ratos será decerto igualmente adequada para os pobres.
Há muito dinheiro a poupar aqui, sobretudo se considerarmos que os pobres doentes não trabalham, um custo e uma quebra de produtividade, não acrescentando nada ao PIB nem à Riqueza Nacional.
Evidentemente que o caso dos mais idosos é mais grave, e mais caro, uma vez que aos custos atrás referidos acrescem os da velhice: problemas crónicos de saúde, mobilidade reduzida e as malfadadas reformas que, apesar de minúsculas, acabam sempre por onerar de forma significativa a despesa devido ao seu elevado número e ao aumento da expectativa de vida.
Antipáticos, não são nada cooperantes e recalcitram em solucionar o problema morrendo atempadamente.
Passos Coelho, pupilo da professora de qualquer coisa que veio a administrar a pasta das Finanças, bem se esforçou por resolver esta falta de consideração da parte dos doentes e dos idosos cortando-lhes o transporte.
O raciocínio dele foi muito simples, assertivo e eficaz: se estes parasitas não tiverem meios de se deslocar ao hospital para as consultas e exames então… chama estatístico para calcular as probabilidades… é muito provável que morram mais cedo permitindo economizar … chama matemático para apurar a poupança, reduzindo assim o impacto nas contas do Estado.
Mas a despesa, e consequente dívida pública advêm ainda de outros custos causados pelos pobres.
A Educação dos filhos dos pobres. Nem é que os pobres actualmente tenham muitos filhos por casal. A questão é os pobres serem muitos e, tudo junto, representarem uma despesa incomportável para os restantes cidadãos de bem, aptos a pagar a educação dos seus rebentos.
Mais um problema a solucionar. Matar os velhos não resolve esta questão. Os mais jovens, aqueles que não emigraram, têm o hábito de procriar, mesmo reduzindo os estímulos e os horizontes. Os inconscientes fazem filhos à revelia, o que é intolerável.
O controle da programação prime time das televisões, em tese apto a minimizar a inteligência e a líbido, não mostrou eficácia suficiente.
Educar toda esta gentinha é um “despesão” e pode até desviar recursos dos verdadeiros centros de saber, com alunos escolhidos, professores mal pagos e escravizados, e confessionalmente orientados – laboratórios de fabricação dos verdadeiros futuros líderes – propriedade de genuínos apoiantes disponíveis para “num gesto largo, liberal e moscovita”, contribuir para as despesas da próxima campanha eleitoral.
O que se chama um monte de “massa” que pode ser aproveitado ou desperdiçado.
Ora todos sabemos que o ideal para os filhos dos pobres é permanecerem pobres até porque já estão habituados e assim são poupados ao “choque” gravítico do ascensor social.
2) Desequilíbrio das contas externas
Aqui reside o drama, o horror, a tragédia. É do conhecimento geral que as contas externas devem reflectir apenas os Audi e outros carros topo de gama importados do exterior pelas empresas, como forma de fugirem aos impostos e também para manter a Sra. Merkel satisfeita.
Isto aplica-se também aos equipamentos hospitalares de diagnóstico, no sector privado, às locomotivas do TGV (ou comboios de muito alta velocidade da Siemens) e a um sem fim de produtos produzidos na Alemanha, que tem a amabilidade de nos emprestar, a taxas elevadas, o dinheiro necessário para lhes comprarmos os produtos que a sua indústria fabrica.
Felizmente que, num rasgo memorável de generosidade, a Alemanha foi igualmente prestável a emprestar dinheiro aos nossos bancos, para estes emprestarem aos seus clientes pobres a fim de adquirirem frigoríficos, máquinas de lavar, varinhas mágicas, torradeiras e produtos similares em que a indústria alemã é excedentária e ocupam muito espaço em armazém.
Notem bem que, também aqui, a culpa é dos pobres… e da classe média: por cada Audi A8 foram vendidos 50.000 ferros de engomar. Os números não mentem nem iludem. Quem provocou o desequilíbrio da Balança, quem foi?
Já o desemprego é claramente culpa dos próprios trabalhadores. Nem é preciso explicar muito isto. Sendo os trabalhadores os que trabalham nas empresas, quando algo corre mal a responsabilidade é, evidentemente, deles. De quem mais poderia ser?
Quanto ao investimento passa-se algo de semelhante: uma vez que é desinteressante investir em empresas criadoras de riqueza nada como aplicar a liquidez em produtos financeiros, quanto mais especulativos melhor.
Porque raio há-de alguém fabricar parafusos, onde a margem de lucro andará pelos 20%, quando pode investir em “fundos” de risco que pagam margens de “sabe lá deus quanto”?
E nem tem de se produzir nada… o dinheiro macho vai jantar com o dinheiro fêmea e passados nove meses sai um dinheiro que não existe mas é como se existisse.
Nesse meio-tempo accionistas foram remunerados, executivos receberam prémios milionários, chorudos e obscenos, e, sobretudo, sem aquele incómodo elemento de “risco” típico dos negócios não financeiros.
Sabedores do efeito “sistémico” de uma putativa falência, accionistas e executivos “sangram” os bancos até ao limite, deixando-os naquele limbo em que ainda respiram, de forma assistida, mas já estão em morte cerebral. O último a sair que feche a porta.
To big to fail, é o lema. Ora, com sinceridade, há alguém pobre ou da classe-média “To big to fail”? Não há! E é por isto que é nos pobres e na classe média que reside a solução do problema.
Sob a forma de impostos os pobres e a classe média ficam encarregados de fazer face, para evitar os efeitos “sistémicos”, a quaisquer “imparidades” que se perfilem no horizonte. E é neste pé que nos encontramos.
Infelizmente há certos pobres e certa classe média que se recusam a colaborar no resgate dos ricos. Pústulas!
Assim a oposição de Passos Coelho e de Assunção Cristas não consegue restabelecer o caminho certo, o de bom aluno dos Bancos que pagam a Comissão Europeia e o BCE.