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João de Sousa

Quarta-feira, Novembro 13, 2024

Love

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É de óculos 3D pendurados no nariz que arregalamos os olhos logo na cena inicial de Love, o novo filme de Gaspard Noé, em que um casal se entrega a uma cena de mútua masturbação e que poderá acrescentar, para alguns, o significado hardcore à palavra Love. Será admissível a inquietação, mas não trilhamos os caminhos mais directos do porno. Faltam-lhe aqui os planos e os tiques do género associados ao acto sexual. Como se imagina, um projecto com semelhante design é bem calhado para dividir do que propriamente para criar consenso.

Apesar de muitos terem torcido o nariz a esta “ousadia pretensiosa de Noé”, apetece dizer que Love alcança aquilo que pretende, ou seja, mostra uma relação romântica em que o sexo é um tema real e não uma mera simulação. Neste caso, serve para ilustrar a vida afectiva, intensa, ousada e descomprometida de um casal. Ou seja, amor feito com letra grande e não derivações mais ou menos gráficas, mais ou menos eróticas de um dos actos mais naturais do ser humano.

Muitos esperavam um exercício de estilo na linha da acção invertida de Irreversível ou o trip da câmara em Enter the Void – Viagem Alucinante. Em todo o caso, essa carga de intensidade emocional está lá. No entanto, a imagem mais próxima serão mesmo os beijos com troca de saliva exibidos no saudoso e ousado Kids de Larry Clark, de há 20 anos atrás. Do ponto de vista mais técnico, a inovação é mesmo o 3D. Em todo o caso, usa o efeito de forma a fazer o espectador interagir mais com a cena. E de onde não nos escapamos de ser forçados a desviar a cabeça de uma ejaculação que atravessa a sala…

love cartazPois, Love também não é Amour… Isso é Haneke. Será talvez o seu oposto. Mas digamos que até lhe fica bem a provocação. De qualquer forma, o espectador poderá questionar-se da opção de filmar em língua inglesa, de resto uma preferência que dominou a edição deste ano. Será este um resultado da globalização? Não se percebe bem, porque o amor, ou neste caso, o sexo funciona como o esperanto da 7ª Arte.

Seja como for, saúda-se a concretização de um dos projectos iniciais do realizador francês de 53 anos nascido na Argentina, ainda antes de Irreversível, quando se propôs fazer um filme porno, no fundo com sexo a sério, com actores conhecidos. Os primeiros alvos foram mesmo o casal Vincent Cassell e Monica Bellucci, mas que acabariam por não se sentir à vontade com a exposição. Daí a opção, anos mais tarde, por actores desconhecidos, mas preparados para dar tudo na cama. Desta feita, com Karl Glusman, apenas com modestas participações e Aomi Muyock e Klara Kristin, ambas estreantes.

Aqui se vive a história de um americano em Paris. A vida apaixonada de Murphy (Karl) com Electra (Aomi), mas também a deriva do casal com a vizinha do lado, Omi (Klara), numa bem coreografada ménage-a-trois. De uma forma gradual, Noé espevita a acção num crescendo de intensidade semelhante aos filmes anteriores. Até porque Electra desaparece e Murphy engravida Omi. Como é habitual em Noé, o filme navega com diferentes tempos narrativos embora aqui sem uma justificação palpável.

De resto, Love tem vários pontos de contacto com os filmes anteriores de Noé. Sobretudo com Irreversível, desde logo pela música, não propriamente pelas delicadas Variações Goldberg, de Bach, mas pelo ritmo mais tecno que se funde com as cores garridas que recriam os seus ambientes excessivamente quentes e opressivos. Sendo que um deles acontece quando entramos num clube de sexo em grupo onde o casal procura alcançar os seus limites da entrega ao sexo e aos fetiches encontrando apenas o limite numa fantasia com um travesti. Mesmo assim um desafio que Murphy tenta ultrapassar.

Love pode até não ser um grande filme. Mas também não é a narrativa que o move. Contudo, não deixa de ser um trabalho muito intenso e honesto sobre os limites do amor, da paixão. Não será O Império dos Sentidos, o tal clássico de Oshima, embora dificilmente deixará de entrar na galeria dos filmes que melhor reproduzem o verdadeiro amor na tela.

De resto, como nos anteriores de Noé. No entanto, tem a ousadia de ser o que pretende. Não porque diz que faz amor, faz mesmo. Pelo menos de uma forma não velada como nos exemplos que certamente serão referidos para comparar com Love. Noé não descobriu a pólvora, e muito menos o sexo no cinema, mas abriu caminho. Ficar indiferente a este filme é que se torna mais difícil.

 Nota: A nossa avaliação de * a *****

Leia a entrevista com Gaspar Noé

 

 

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