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Domingo, Setembro 1, 2024

Justiça do trabalho ao serviço de quem?

António Garcia Pereira
António Garcia Pereira
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Professor Universitário
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António Garcia Pereira, Advogado

… ao ponto de, em 2015, o número de processos entrados nos Tribunais do Trabalho ter diminuído cerca de 25% relativamente a 2014, e ter então atingido mesmo o número mais baixo (44.225) desde que há estatística sobre esta matéria.

Deve-se isto a que haja aumentado o número e qualidade dos direitos dos trabalhadores e que a respectiva garantia e eficácia estejam mais fortes do que nunca? De todo não, bem antes pelo contrário, já que a quantidade e gravidade das violações de tais direitos nunca foram tão elevadas como agora!

O que pode então explicar este (só aparente) paradoxo de os direitos de quem trabalha serem mais violados do que nunca, ao mesmo tempo que o exercício do direito, constitucionalmente consagrado (artº 20º, nº 1 da Lei Fundamental), do acesso aos Tribunais para sua defesa ser tão restrito?

Antes de mais, e indiscutivelmente, a autêntica brutalidade do valor das custas judiciais. Enquanto noutros países (como a Espanha, por exemplo), a Justiça, e muito em particular a Justiça laboral, é gratuita, em Portugal não apenas é necessário o pagamento de taxas de Justiça extremamente elevadas (para uma acção com o valor de 30.000,00 essa taxa é de 6 UC – Unidades de Conta, ou seja, 6 x 102,00 = 612,00), como tal taxa tem de ser paga cada vez que houver no processo um qualquer incidente, uma reclamação ou um recurso que haja que interpôr ou a que haja que responder.

É assim possível que, no final de um dado processo – e sobretudo se a parte económico-financeira mais poderosa a tal forçar –, não só já tenham tido de ser pagas 3, 4, 5 ou mesmo mais taxas de Justiça, como o valor final das custas (que abrange também, se a acção não for vencida, o pagamento das taxas que a outra parte teve de suportar) pode ainda ser muitíssimo superior, designadamente por força do chamado mecanismo das “custas de parte”, em que a parte vencedora pode ir reclamar não apenas tudo o que pagou de taxas de Justiça como mais 50% desse mesmo valor, agora a título de compensação das despesas com honorários do seu Advogado (artº 29º do RCP – Regulamento das Custas Processuais)!?

Deste modo, e com relativa facilidade, um processo em que se discutam 30.000,00 de créditos salariais pode vir a representar, sem sequer contar com multas e encargos, a necessidade do pagamento de custas finais de vários milhares de euros. E mesmo para fazer – por mero formulário e com dispensa de constituição de Advogado – a impugnação de um despedimento individual com a alegação de justa causa disciplinar já se entende que o trabalhador tem sempre que pagar à cabeça meia UC (ou seja, 51,00) a título de “pagamento da taxa de Justiça devida pelo impulso processual” – artº 14º, nº 6 do RCP)!

É certo que, como logo alguns dirão, há uma lei – a chamada “Lei do Apoio Judiciário”

justica(Lei nº 34/2004, de 29/7, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28/8) – que permite a um cidadão com carência de meios requerer à Segurança Social a isenção do pagamento das referidas custas judiciais. Mas a “fórmula” respectiva não apenas tem apenas em conta, como custas do processo, uma só taxa de Justiça, como considera o rendimento e, mais, o património, de todo o agregado familiar do trabalhador (o que conduz a que se o requerente do Apoio Judiciário tiver um familiar empregado ou for proprietário de uma pequena casa hipotecada à Banca, logo fica de fora da fórmula da isenção, a qual assim se aplica quase exclusivamente a quem durma debaixo das pontes).

E se formos falar do Tribunal Constitucional (o único Tribunal do País com um escandaloso regime específico de custas), aí tais custas, em caso de declaração de improcedência do recurso por decisão sumária de um só Juiz, atingem o valor “tabelar”

de 7 UC’s – 714,00, e por Acórdão, um montante entre 20 ou 25 UC’s, ou seja, de 2.040,00 a 2.550,00!!

Ora, que trabalhador pode pagar semelhantes despautérios?!

Depois, há também um dispositivo no Código do Trabalho (artº 366º, nºs 4 e 5) que quase ninguém conhece mas que determina que quem seja objecto de um despedimento colectivo, por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação, tem de devolver, e de imediato, à entidade empregadora o valor da compensação ou indemnização de antiguidade, porque, se não o fizer, o Código do Trabalho entende que o trabalhador aceitou o despedimento e, logo, não o pode impugnar!

Ora, um trabalhador objecto de um despedimento colectivo manhoso e ilícito – como muitos daqueles que têm vindo a ser levados a cabo em diversas empresas, a começar pela Banca e as Telecomunicações – se foi despedido, não tem salário; pode – se reunir os respectivos requisitos legais – requerer o subsídio de desemprego, o qual, porém, vai levar meses a ser deferido e representará, quando muito, 65% do seu último salário nunca podendo ultrapassar cerca de 1.030,00 e, mesmo assim, tal subsídio sofre um corte automático de 10% ao fim de 6 meses (artº 28º do Dec. Lei nº 220/06, de 3 de Novembro).

Do que é que então este trabalhador pode entretanto viver?

Nota: Parte 2, a publicar amanhã, dia 24 Junho 2016

 

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