Diário
Director

Independente
João de Sousa

Domingo, Setembro 1, 2024

Justiça do trabalho ao serviço de quem?

António Garcia Pereira
António Garcia Pereira
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Professor Universitário

Do que é que então este trabalhador pode entretanto viver?

trabalho
António Garcia Pereira, Advogado

Obviamente que apenas do “balão de oxigénio” da indemnização de antiguidade!

Se se lhe impõe que, para impugnar o referido despedimento, ele tem que devolvê-la, é evidente que só trabalhadores abastados é que podem impugnar os despedimentos (ditos por “justas causas objectivas”) de que sejam alvo!…

Acresce, enfim, que com a ideologia (pró-patronal) e a lógica (de que o que é preciso é despachar processos) actualmente cada vez mais dominantes nos Tribunais do Trabalho, não pode ser grande a esperança de que seja uma sentença judicial a reconhecer adequadamente um direito laboral violado, a repor a legalidade e a castigar devidamente o infractor.

Na verdade, com uma jurisdição laboral que só é especializada na 1ª instância, com os Tribunais do Trabalho (sobretudo os das grandes cidades) inundados de juízes auxiliares (ou seja, que não reúnem ainda o número de anos de judicatura para serem juízes titulares), com uma postura do Conselho Superior da Magistratura de permanente pressão e de avaliação dos mesmos juízes sobretudo pela sua capacidade de “matar” estatisticamente processos, e com uma formação essencialmente técnico-formal e sem componente cívica relevante, temos assim e cada vez mais uma tendência tornada “natural” desde logo para o predomínio das decisões de forma sobre as decisões de substância.

Mas também para o desprivilegiar do apuramento da verdade material dos factos e para a não realização oficiosa de diligências de prova com tal objectivo, bem como para o não sindicar dos motivos invocados para despedimentos colectivos e/ou por extinção do posto de trabalho sob o argumento de que não competiria ao Juiz “imiscuir-se na esfera da gestão empresarial privada” e para a não operacionalização dos grandes princípios do Direito.

justiça-trabalhoComo por exemplo o da boa fé, permitindo-se nomeadamente que uma empresa que alicia um trabalhador a vir trabalhar para ela com uma cláusula indemnizatória muito superior à legal possa depois invocar, em seu próprio benefício e apenas quando tal lhe convém, a nulidade da mesma cláusula.

Ou como o da inversão do ónus da prova, quando uma situação foi intencionalmente conduzida pelo empregador de forma a impossibilitar o trabalhador de ter prova (por exemplo, chamando-o sempre sozinho para reuniões no interior de uma sala fechada).

Ou o do predomínio da verdade material dos factos sobre a denominação formal das coisas (possibilitando-se assim o truque, sistematicamente praticado em vários sectores, com a Banca à cabeça, de pagar ao trabalhador, regular e periodicamente e como contrapartida normal e habitual da sua prestação de trabalho, um conjunto de utilidades económicas contratualizadas entre ambas as partes, mas só chamar “vencimento-base” a uma dessas parcelas, e depois tratar de fazer o cálculo das indemnizações de antiguidade somente com base nesta).

Tudo isto com o complacente beneplácito da grande maioria da Jurisprudência laboral, a começar pela da 4ª secção do Supremo Tribunal de Justiça.

Ou, enfim e como se tem visto até na própria jurisprudência do Tribunal Constitucional, pelo expulsar de quaisquer considerações de Justiça da análise, interpretação e aplicação do Direito, pelo reduzir a sociedade dos homens à soma das suas “utilidades individuais” e pelo sujeitar das regras jurídicas, não a juízos de compatibilidade seja com a Constituição seja com os princípios gerais da nossa Ordem Jurídica, mas sim à aferição da sua pretensa “utilidade” e “eficiência” para atingir finalidades económico-financeiras , tidas e apontadas simultaneamente com a fonte e a medida da respectiva “legitimidade” (como sucedeu com todas as medidas laborais introduzidas com o reinado da Tróica, por exemplo).

É, pois, evidente que não é com uma Justiça Laboral destas que os trabalhadores poderão ver os poucos direitos que formalmente ainda lhes restam devidamente garantidos e protegidos…

Leia a Parte I

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -