É desta forma que a secção portuguesa da AI reage à decisão do Supremo Tribunal de Angola de libertar os 17 activistas condenados por “rebelião e associação de malfeitores”.
Em declarações à agência Lusa, o director executivo Pedro Neto garantiu que a organização vai continuar a bater-se pela libertação incondicional, a defender que “este julgamento não fez sentido e eles não são culpados de nada”.
O Supremo deu assim provimento ao “habeas corpus”, apresentado pela defesa dos 17 activistas angolanos, e ordenou, esta quarta-feira, a sua liberdade provisória sob termo de identidade e residência.
Nito Alves é o único activista que não foi libertado, por ter sido condenado sumariamente em Fevereiro, a seis meses de prisão, por injúria aos magistrados do julgamento. Poderá ser libertado durante o mês de Agosto, caso o recurso da Defesa ainda não tenha sido julgado.
A AI sempre se referiu aos arguidos como os “17 prisioneiros de consciência”, alegando tratar-se de um julgamento “de faz-de-conta onde os padrões internacionais de direitos humanos foram violados”.
Também o jornalista Rafael Marques disse à Lusa que os 17 activistas angolanos, detidos há mais de um ano, nunca deveriam ter sido presos, nem julgados, questionando agora se o Estado os vai ressarcir pelos danos que lhes causou.
“Primeiro, os activistas nunca deviam ter sido detidos. Segundo, nunca deviam ter sido julgados por uma farsa, por uma palhaçada. Terceiro, é estranho que ainda assim o Tribunal Supremo venha a libertar para depois decidir sobre os casos. A pergunta que se deve colocar agora é se o Estado vai ressarcir os danos que causou a estes 17 jovens”, questionou.
Para Rafael Marques, “temos de ter em conta que esta decisão do Supremo não deixa de ser uma decisão política, porque a Justiça em Angola está instrumentalizada. É a pressão que está a levar a que se tome esse tipo de posições”.
O jornalista defendeu ainda que o Estado angolano “continua a fabricar acusações” sobre “muitos dos detidos”, entre eles Luaty Beirão, Nito Alves e Benedito Jeremias, que ainda terão de responder em tribunal pelo “delito” de “destruição do património”, por terem escrito nos uniformes utilizados na prisão.
“Temos o Presidente (da República, José Eduardo dos Santos) e a sua família a saquearem o país, temos os generais e os ministros a saquearem o país, e será que os únicos danos causados em Angola ao património do Estado são os uniformes prisionais usados pelos 17? Temos de fazer essas perguntas, temos de estar em alerta, porque são armadilhas constantes no caminho destes jovens”, referiu.
Detidos em Junho de 2015
A 28 de Março, os 17 activistas angolanos foram condenados pelos crimes de “actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores”, com penas entre dois a oito anos de prisão. A defesa pediu a absolvição dos réus e recorreu da sentença do juiz Januário Domingos José.
Na última sessão do julgamento, o Ministério Público tinha deixado cair a acusação de actos preparatórios para um atentado ao Presidente. Nesse mesmo dia, acabou por apresentar a “de associação de malfeitores”. O facto de os activistas não terem tido tempo para apresentar a defesa, foi um dos argumentos dos recursos.
“Uma das coisas importantes da não-violência é que não busca destruir a pessoa, mas transformá-la.” “Creio que a verdadeira democracia só pode nascer da não-violência”. Duas frases, uma de Martin Luther King e outra de M. Gandhi, iniciam o livro de Domingos da Cruz, cuja leitura esteve na origem da detenção dos jovens.
O autor de “Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar uma Nova Ditadura, Filosofia da Libertação para Angola”, foi o que teve a pena mais alta: oito anos e seis meses de prisão. Para a justiça angolana, o professor universitário Domingos da Cruz foi considerado “líder de associação criminosa”.
O caso dos activistas remonta a 20 de Junho de 2015, quando foram surpreendidos durante uma acção de formação, que as autoridades consideraram de preparação para actos de rebelião e atentado contra o presidente José Eduardo dos Santos.
Nos últimos meses, a comunidade internacional e várias organizações de defesa dos direitos humanos apelaram à libertação dos jovens. Por outro lado, o Governo de Luanda rejeitou sempre aquilo que disse ser “uma pressão” e “ingerência estrangeira” nos assuntos internos.
O processo ganhou proporções internacionais depois de o “rapper” luso-angolano Luaty Beirão ter realizado uma greve de fome durante 36 dias, para denunciar o que dizia ser o excesso e as arbitrariedades da prisão preventiva.
Segundo a acusação, os activistas reuniam-se aos sábados, em Luanda, para discutir as estratégias e ensinamentos da obra de Domingos da Cruz. Luaty Beirão sempre recusou todas as acusações e afirmou que esta era uma adaptação do livro “From Dictatorship to Democracy”, do norte-americano Gene Sharp, e que servia para uma discussão “meramente académica” sobre direitos humanos e democracia.
O grupo dos activistas vai aguardar pelo desfecho do processo em liberdade provisória sob termo de identidade e residência “com restrições em relação à saída do país e com apresentações mensais ao tribunal da primeira instância”. Depois de conhecida a saída da prisão, seguiram em marcha pelas ruas do centro de Luanda e foram até à sede da União dos Escritores Angolanos. “Ler não é crime!”, gritaram.