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Quinta-feira, Janeiro 23, 2025

Istambul (onde choro agora)

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

Historiador, Professor Universitário; investigador da área de Ciência das Religiões

Escrevi, há alguns dias, no sentido de sugerir omitirmos a frase feita Je Suis Charlie, Je Suis Niger, Je Suis Istambul ou outra qualquer parecida, altruísta e solidária, pelo assumir de uma opção de fundo: Je Suis Humaine – pois isso colocar-nos-á no sítio certo para a definição do campo que ocupamos ideologicamente, neste mundo bipolar onde o lado mais agressivo do animalesco irracional emana como nunca do Homem, conduzindo-o a etapas que julgávamos há muito ultrapassadas na sua progressão evolutiva.

Torna-se cada vez mais evidente que os atentados terroristas nada têm a ver com as religiões, embora o fervor, a fé, a crença irredutível dos assassinos, e o vocabulário de que revestem as suas ações, tenha ganho o estatuto de extremismo religioso (e temos de reconhecer que esse sempre existiu, em todas as religiões, com mais ou menos sangue de permeio e historicamente não é comparável ao que vemos neste século).

O que distingue os dois lados – o mero campo do crime organizado e as religiões que teimam em se ver cruzadas com os assassinatos e a destruição maciça, é não só o modo como operam, como os interesses que servem e os objetivos que alcançam. Os exemplos e as provas, infelizmente, sucedem-se.

A Turquia divulgou as imagens dos suspeitos do atentado no aeroporto de Istambul, do qual resultou um número elevadíssimo de vítimas, o que pouco conta quando se trata de vidas humanas: uma que fosse e seria a mais; nenhum homem tem direito de suprimir a vida de outro homem em nenhuma circunstância! Essas imagens provam o que escrevi acima: tudo aponta para que os terroristas sejam do Uzbequistão, do Quirguistão e do Daguestão. Um deles seria Osman Vadinov, checheno de nacionalidade russa.

A conclusão é muito simples: orquestradores políticos em causa política, com patrocinadores de fortes interesses económicos, lançam pelo mundo o clima da terror, a morte, a incerteza. Os seus líderes ganham milhões e os instigadores desses líderes são donos de boa parte do mundo.

O Uzbequistão ou Usbequistão é um país da Ásia Central e uma das repúblicas que formavam a extinta União Soviética. É vizinho do Afeganistão, muito influenciado pelo que se passa para lá dessa fronteira e tem vivido, desde a independência em 1991, fortes combates entre etnias diferentes (dois milhões de refugiados do Uzbequistão foram absorvidos pela Rússia, entretanto).

Em 2005 houve fortes protestos, em torno de um grupo de 23 – 23!!!- fundamentalistas islâmicos, o que lançou o território numa desordem agressiva e ainda de consequências imprevistas.

O Quiguistão, ou República Quirguiz, oscila politicamente entre comunistas e sociais-democratas. Em 1993 teve a sua Constituição consolidando a independência mas, em 2005, o país foi palco da Revolução das Tulipas que culminou com a queda do presidente (pré e pós-soviético) Askar Akayev, que estava no poder desde 1990 (em 27 de outubro de 1990 foi eleito Presidente da República Socialista Soviética do Quirguistão) acusado de nepotismo, corrupção e de reprimir a oposição, substituído pelo presidente apoiado pelos Estados Unidos, Kurmanbek Bakiyev. Desde então, o país alimenta conflitos políticos esporádicos e cultiva bolsas marginais inquietantes.

A República do Daguestão é uma divisão federal da Federação Russa (situada no sudoeste da Rússia). A transliteração direta do nome da república é Respublika Dagestan.

Não sei se alguém ainda se recorda da Guerra do Daguestão. Começou quando um grupo baseado na Chechénia, a Brigada Islâmica Internacional (IIPB), uma milícia “islâmica” liderada pelos chefes militares Shamil Basayev e Ibn al-Khattab, invadiu a república russa vizinha: o Daguestão, em 7 de agosto de 1999, com apoio dos rebeldes separatistas islâmicos do Daguestão. A guerra terminou com a retirada do IIPB e foi um dos fatores que desencadeou a Segunda Guerra na Chechênia.

Em cada um deste três países, a religião é apenas dada como justificação de atos independentistas, com intuitos económicos, protagonizados por marginais de pouca ideologia, grande capacidade de corrupção e enorme, equivalente ambição. Nada disto tem a ver com religião, sejamos francos.

Os fundamentalistas, correm agora o risco de mais uma vez caírem no ridículo. Várias fações reivindicaram um atentado que não fizeram e os seus intentos nunca serão alcançados por estes meios.

O mundo aprenderá a viver em alerta, a enterrar e a chorar os seus mortos, mesmo a vingá-los. Mas nunca se submeterá à ideia imbecil do inumano, mesmo que os apoiantes dessa fação cresçam em número e se façam explodir alegremente levando consigo alvos inocentes.

Este texto respeita as regras do AO90.

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