É também verdade que muito raramente se pode ler em Portugal sobre o alcoolismo, tratado na primeira pessoa. Sem medo e sem rede.
Naturalmente, muitas pessoas convivem diariamente com um alcoólico, sem saber se lhe devem chamar assim. Porque afinal ele trabalha, tem uma vida aparentemente normal e porque o estigma do “alcoólico” é persistente e está ainda hoje associado a um marginal, a alguém que se deixa dormir na rua ou que provoca estragos maiores.
Nunca iguais aos que se observa em casa. Há sempre uma diferença qualquer escondida que ajuda a justificar, a negar e a minimizar a situação.
Se está a ler este texto e se identifica – com o doente ou com o amigo ou familiar – fique descansado: há um nome para esse tipo de alcoólico. Mas não descanse até procurar ajuda: é mesmo preciso fazê-lo quanto antes. Sem receio.
O alcoolismo é uma doença devastadora que pode destruir vidas, no entanto, algumas pessoas que lutam com ela diariamente conseguem manter empregos, conduzir e viver uma vida que parece completamente normal.
São os chamados alcoólicos funcionais. E por serem funcionais não quer dizer que sejam imunes ao efeito do álcool, muito pelo contrário. Estão em maior risco de se magoar e magoar as pessoas que estão ao seu lado. Em todos os sentidos que a palavra “magoar” possa ter, quando pensa nisso. Pode ser aquele enfermeiro com enorme ressaca, um cirurgião com as mãos trémulas ou um banqueiro grande gestor financeiro.
Não é difícil imaginar os desastres terríveis que podem causar se continuarem no seu caminho disfuncional. No entanto estes são apenas os exemplos clássicos de bombas-relógio. Em qualquer profissão que possa imaginar este tipo de alcoólico pode estar presente. Ao seu lado.
Já tinha pensado nisso mas não tem a certeza?
Ficam aqui alguns sinais mais típicos que vários especialistas em adições e que podem ajudar a identificar a doença (com a importante ressalva de que existem muitos outros e a lista não tem que fazer “check” em todos os pontos):
- Bebem em vez de comer.
Os alcoólicos substituem muitas vezes refeições por bebidas, perdem o interesse por alimentos ou usam o horário das refeições como uma desculpa para começar a beber. - Podem acordar sem ressaca, mesmo depois de beberem o que o senso comum considera “normal” – a atenção ao “senso comum em Portugal”, porque já inclui uma tolerância fora dos parâmetros considerados pela Organização Mundial de Saúde.
Beber álcool durante um longo período de tempo pode causar a dependência do próprio organismo. É frequente os alcoólicos funcionais serem capazes de beber muito sem que tenham a mesma ressaca que assola o bebedor ocasional - O não beber torna-o irritável, nervoso ou desconfortável.
Se um alcoólico por algum motivo é obrigado a abster-se de beber, o corpo reage negativamente porque está dependente do efeito sedativo do álcool. O deixar de beber de forma abrupta vai criar forte ansiedade, nervosismo, suores, uma frequência cardíaca mais rápida e até convulsões. - Os padrões de comportamento mudam significativamente quando estão sob influência do álcool.
Os alcoólicos podem mudar significativamente quando bebem. Uma pessoa normalmente bem-educada pode tornar-se agressiva ou tomar decisões impulsivas.
Ajuda o facto de passarem com frequência a sentir-se perseguidos, vítimas de pessoas ou situações que claramente são exageradas ou mesmo inexistentes, “fazerem filmes” por tudo e nada. É todo um mundo que se transforma e que passa a ser um verdadeiro inferno, quer para si próprio, quer para os que lhe são próximos. - Não conseguem beber apenas uma ou duas bebidas.
Um alcoólico tem um enorme problema com a capacidade de parar de beber, chega até a terminar as bebidas dos outros (às escondidas ou com alguma graçola no meio). Há sempre desculpa para “mais uma rodada”. - Os períodos de perda de memória ou “desmaiar” são comuns. Um, outro ou os dois.
Enquanto bebem é frequente fazerem ou dizerem coisas de que não se vão lembrar no dia seguinte. Atenção! O alcoólico funcional pode nem parecer muito intoxicado no momento, mas é incapaz de se lembrar do que aconteceu. - Qualquer tentativa de discutir o seu comportamento em relação à bebida é inglória. Vai ser respondida com negação ou agressão. É impossível conversar sobre o assunto.
- Têm sempre uma boa explicação!
Se não entrarem em pela negação ou pela agressão, o mecanismo de defesa ou evasão que vai funcionar é o da justificação/explicação. A maioria dos alcoólicos funcionais vai ter uma explicação aparentemente racional para o seu comportamento. Stress no trabalho, problemas em casa, eventos ou festas que desculpam a “bebida social”, são razões comuns para explicar o comportamento. - Esconder o álcool.
Muitos alcoólicos funcionais bebem sozinhos e escondem garrafas no carro ou em casa. Beber sozinho é uma enorme bandeira vermelha e não existe outra explicação que não seja o alcoolismo.
Alguns sinais que, se os reconhecer, devem ser motivo sério para procurar ajuda profissional. Até porque muitas vezes são também gravemente prejudicadas as pessoas que coabitam com eles. Ao longo do tempo podem vir a tornar-se codependentes – assunto para outro artigo.
O alcoólico funcional é um ser comum que existe em todos os tipos de populações. Não conhece profissões, classe social ou sexo.