“Carta aberta a todas as instituições de Ensino Superior,
Anualmente, milhares de jovens de todo o país ingressam no Ensino Superior. O início do percurso académico traz a si associadas novas realidades e desafios, que obrigam a várias mudanças e adaptações.
Em muitos dos casos significa sair de casa da família, mudar de cidade; em todos construir novos laços de amizade e grupos de amigos, quebrar rotinas e hábitos de anos e enfrentar níveis de exigência e ritmos de trabalho até então desconhecidos.
O investimento colectivo que o país empreende na formação de nível superior, seja por via do Orçamento do Estado – dos nossos impostos – seja pelo enorme esforço financeiro e sacrifício das famílias, assim como a necessidade estratégica de Portugal melhorar os seus níveis de qualificação e o número de diplomados, torna evidente o interesse de todos, enquanto sociedade, em que a transição entre ciclos de estudos, do Ensino Secundário para o Superior, se traduza num processo suave, bem sucedido e que contribua para o sucesso académico.
A recepção e a integração do novo estudante na instituição acolhedora desempenha, neste sentido, uma função primordial na garantia de uma eficaz e feliz adaptação a um ambiente social e educativo inicialmente estranho, complexo e, não poucas vezes, difícil.
Em Portugal, ao contrário do que sucede em vários outros países em que o Ensino Superior também está massificado, as instituições de Ensino Superior universitário e politécnico não ocupam o papel central de integração do estudante na vida académica, fazendo com que os grupos e organizações promotoras de actividades praxistas não só tenham disputado esse terreno como nele se tenham cimentado, reivindicando hoje para si o papel de agente integrador, muitas vezes exclusivo, na comunidade estudantil e académica.
Esta realidade foi-se conjugando com a multiplicação da denúncia pública de casos de violência física, psicológica e simbólica associadas às actividades de praxe. Alguns destes abusos, relatados, ao longo dos últimos anos, pelos meios de comunicação social, deram visibilidade a um fenómeno em que, afinal, o que parecia ser excepção à regra revela ser a própria regra.
Sendo certo que nenhum estudante é formal ou legalmente obrigado a frequentar as actividades de praxe, seja em que faculdade ou escola superior for, a pressão para aderir é muitas vezes muito forte e em si mesma uma violência, e a ausência de outros mecanismos integradores é um facto. Em democracia, deve haver sempre lugar à escolha, mas só é possível escolher se houver opção, ou seja, alternativas consistentes.
Assim, instamos todas as equipas dirigentes das Universidades, Politécnicos, faculdades e escolas superiores a criar, com carácter duradouro, actividades de recepção e de integração dos novos estudantes e das novas estudantes, ao longo do ano lectivo, que configurem uma alternativa lúdica e formativa às iniciativas promovidas pelos grupos e organizações de praxe.
Apelamos também a que as mesmas instituições informem atempada e eficazmente os novos alunos e as novas alunas, por exemplo através do envio de um e-mail ou entregando, no acto da matrícula, um esclarecimento nesse sentido, de que as actividades de praxe não constituem qualquer espécie de obrigação e que não podem ser prejudicadas de nenhuma forma ou ameaçados de qualquer maneira por recusarem participar, devendo ser fornecido um contacto para o qual possam ser endereçadas queixas.”
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