A direita não entendeu Trump e em poucas semanas este engoliu o “elefante” republicano, agora já dado como uma espécie em vias de extinção.
A esquerda parece ir pelo caminho da direita e, daqui a uns tempos, o mesmo Trump que já devorou o elefante pode comer também a senhora Clinton.
Se acontecer, direita e esquerda pode juntar-se à esquina e, em vez de tocar o solidó, queixar-se-ão com amargura da boçalidade e ignorância das analfabetas massas de eleitores e como não faltará quem, como dizia o outro, proponha que se demita o povo.
Já aconteceu no rescaldo Brexit quando todos os iluminados (que não viram vir nada…) decretaram que quem tinha ganho a votação tinha sido a ignorância. Eles tinham razão no seu “remain”.
A realidade é que se tinha enganado. Nem lhes passou pelas iluminadas cabecinhas que talvez tivessem gerido mal o processo. Talvez tivessem cometido graves erros de comunicação. Talvez se tivessem enganado nas teclas e botões que tinham accionado.
Talvez andassem há anos largos a cometer disparates… Não, nada disso! O único que lhes saiu do bestunto foi a “ignorância das massas”!
A equipa Clinton está a fazer uma campanha “à coté de la plaque”. Só tem acertado, raramente, por acaso. A imensa vantagem que, há meses, o eleitorado dava a Clinton num afrontamento contra Trump está a derreter como neve ao sol.
Todas as recentes sondagens o mostram e uma distribuída ontem à noite (e que me leva a escrever este texto) já dá um ponto de vantagem a Trump. É só um pontinho, mas…
A senhora Clinton e a sua equipa, se quiserem derrotar o Donald e ganhar as eleições, precisam de responder com muito acerto a uma pergunta simples: porque vão tantos eleitores atrás de Trump? Ou seja, que os atrai no portador daquele revulsivo penteado? O outro Clinton, o Bill, já teria cheirado isto há meses e já tinha feito o necessário para estar com vinte pontos de vantagem sobre o Trump e com tendência para alargar o “gap”.
Se conseguir entender a resposta à pergunta referida e estabelecer uma estratégia coerente, a equipa Clinton ganhará. Se o não fizer, perderá e só terá de se queixar da sua ignorância sobre as motivações do eleitorado e sobre a sua incompetência técnica e política. É claro que dirá – pois é muito mais fácil – que os eleitores são umas bestas…
Conheço um americano que antecipou, pelo menos desde 2009, que uma coisa deste tipo iria acontecer. Disse-o em várias conferências, mais ou menos de acesso restrito, mas escreveu-o também em textos publicados e que até se encontram na net.
Destaco dois desses textos. Um primeiro (logo em 2009, escassos meses depois do estoiro de 2008) sobre o erro fatal da elite política em não terminar a sua relação promíscua com a elite financista e romper com ela, colocando-se do lado do “interesse geral” e do “bem comum” contra os interesses particulares dos financistas.
Um segundo texto, pouco depois, sobre as alterações nas percepções e comportamentos do eleitorado que, desiludido com essa elite política comprometida radicalmente com o financismo, se tinha cansado de “candidatos construídos” e queria “candidatos verdadeiros”.
Também vale a pena referir um outro americano que, muito antes da saída de “O Capital no século XXI” de Thomas Piketty e das suas magníficas séries estatísticas, já tinha trabalhado a evolução, nos últimos 50 anos, das desigualdades na distribuição de rendimentos nos USA e mostrado onde isso iria levar…
Como de costume, só é surpreendido quem gosta de o ser… Mas, claro, ignorante é a massa eleitoral e quem precisa de ser demitido, como sugeria o Brecht a um certo Comité Central, é o povo.