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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

A língua, a linguagem e o impacto social nas crianças

Isabel Rodrigues
Isabel Rodrigues
Escritora, licenciada em Psicologia Clínica, Poeta, Contista, Ensaísta, Assistente técnica

Essa relação essencial entre o uso da linguagem e a condição humana permite entender melhor o interesse pelo estudo da mente humana e aparece associado ao estudo da saúde mental tal como ao seu impacto na sociedade.

Descartes fundamentava o uso da linguagem como uma forma de distinguir o Homem dos outros animais.

São faladas no mundo cerca de 4000 línguas (Comrie, 1987) in G. Henry . Psicologia.

As línguas, apesar de diferentes são similares de forma a se tornarem um veículo de comunicação entre culturas e chegar ao pensamento das pessoas, que através das palavras e frases vão organizando ideias comunicativas em que de o monólogo se passa ao diálogo.

A linguagem como actividade criadora

Para expressarmos um número infinito de pensamentos combinados utilizamos um sistema que permite atingir extensões ilimitadas, a partir de meios limitados. O nosso reportório é finito mas temos a possibilidade de expressar um número infinito de novos pensamentos e acontecimentos. O nosso sistema de linguagem permite-nos combinar palavras já existentes de modo inovador.

A linguagem é estruturada

Os princípios estruturais estão subjacentes no modo como combinamos novas frases e são seguidos por todos os indivíduos sem a aprendizagem formal da escola. A linguagem não é único comportamento dotado destas propriedades. A aritmética actua mediante um conjunto de leis que conhecemos à “priori”, mas que nos dá uma possibilidade infindável de resoluções de problemas. São regras descritivas.

As regras prescritivas formuladas por certas instâncias são as regras da gramática que estudamos na escola que poderão ser como um refinar de regras e de conceitos que já foram assimilados por nós sem algum esforço, mas que sem as perceber não entendemos como tudo isto se processa.

Certas irregularidades na fala são detectadas até sem termos ido à escola porque nos regemos por princípios universais e compreendemos que a linguagem funciona como uma capacidade humana universal e que através do senso comum, reconhecemos palavras na ordem correcta ou não quando estas são faladas.

A estrutura é constituída por fonemas, morfemas, palavras, sintagmas e frases, a investigação em linguagem assenta no estudo da semântica e do seu significado.

A linguagem é significativa

Devemos na comunicação expressar as nossas ideias através de frases dando-lhe um significado; aí entram os padrões gramaticais para podermos entender e complexificar os significados. A forma como se combinam precisa desse “refinar” que nos dá a própria aprendizagem.

Sem esse passo não poderíamos entender algumas regras de convivência comunicativa e a forma complexa de conjugação da sintaxe das palavras apesar de termos os tais princípios universais da linguagem.

A linguagem é referencial

O problema da referência é complexo numa forma em que a palavra tem de fazer sentido com o objecto que nós estamos a designar.

Por exemplo ver um limão pode não provocar a exclamação.

– Limão!

Pode acontecer haver outra designação …

– É amarelo!

Pode-se salivar ao ver um limão, pensar em limonadas, ou seja, a resposta pode ser psicofisiológica, a esse estímulo. À cor, ao formato, ao ácido, ao olhar o próprio objecto.

As frases são expressões do nosso estado de espírito e a resposta pode ser totalmente diferente do que se está a espera e ao que está a ser visto no mundo real.

A linguagem é interpessoal

A linguagem é um processo que vai para além da individualidade porque é uma actividade social em que os pensamentos são canalizados para outro, a linguagem é um objectivo social, o indivíduo além dos sons, palavras e frases deve também estar munido dos princípios de conversação para puder usar a linguagem em várias circunstâncias na comunicação com o outro.

A expressão que irá usar não será só uma mera descrição da situação, mas algo que depende do conhecimento adquirido das crenças e desejos do interlocutor.

São feitas várias ingerências e tem de se ter em conta o estado de espírito e intenção da conversa para que esta não se torne maçadora ou seja, não é meramente descritiva mas sim rica de conteúdos e de novas entradas de ideias dos comunicantes. Será sempre algo de novo uma conversa e nunca se sabe ao certo como irá decorrer apesar de se poder ter uma ideia.

O desenvolvimento da linguagem na criança

Na criança a linguagem é antes de tudo espontânea quase após o nascimento. A criança desde cedo encontra grande volume de estímulos, uns são linguagem, outros não passam de barulhos caóticos de sons sibilados.

A criança é confrontada com uma amálgama confusa de sons e de informações sobre o mundo dos objectos e tenta imitar a comunidade linguística que a rodeia, mas a verdadeira chave da aprendizagem e uso das palavras será também a sua própria criatividade.

A aprendizagem é a língua que se baseia na correção e esforço explícito dos pais e do estímulo que eles lhe proporcionam, mas tem de se ter em conta a cultura onde são educados e quais os estímulos necessários ao seu desenvolvimento. Os erros devem ser contrariados, mas tendem os pais muitas vezes a corrigir erros de conduta e não erros gramaticais numa primeira linha.

A aprendizagem da linguagem

A linguagem não é uma mera imitação, mas a verdadeira aprendizagem é a criatividade que ela evidencia.

Muitas crianças evidenciam a tendência para a voz da mãe (maternalês) como nos bébés de 4 meses ao preferir as vozes dos adultos. Charles Darwin  (1877) tinha notado estas interacções, protolinguísticas entre mães e filhos e chamou ao maternalês a “doce musica das espécies”.

Os bébés reagem à altura tonal, à frequência, silêncios, pausas podendo a criança estar a recolher as unidades frásicas e as suas componentes sintagmáticas (Morgan e N, 1981; Gleitmane Wanner, 1982; Morgan, 1986; Kemler, Nelson et al, 1989; Cutler, 1994). In Gleitman H. Psicologia.

Dificuldades na Linguagem

As crianças selvagens são crianças que viveram na floresta e sobreviveram criadas por ursos ou lobos como as crianças Kamala e Amala que não tiveram contacto com as sociedades humanas. Só Kamala conseguiu articular algumas palavras.

Outras crianças foram mantidas em condições sub-humanas como “Genie”de 14 anos e Isabelle de seis anos.

A primeira só conseguiu articular algumas palavras e a outra conseguiu ao fim de um ano ingressar numa escola normal.

Uma das possibilidades é existir um período crítico de idade para a aprendizagem da língua, ou seja, a Genie foi encontrada depois da puberdade o que dificultou a sua aprendizagem.

A questão que se põe é: quais os aspectos essenciais para que a linguagem ocorra?

A linguagem depende muitas vezes do que ouvimos mas pode desenvolver-se sem o som, mediante a linguagem gestual. É algo curioso, que foi criado internamente por comunidades para salvaguardar a linguagem no exterior.

Foi verificado também que crianças mesmo sem ter tido linguagem gestual conseguiram por elas próprias gesticular um número de pantomimas que os investigadores conseguiram entender. (Teervoort, 1961; Fant 1972).

Helen Keller, pelas cordas vocais e movimento dos lábios e contactos das mãos conseguiu sair das trevas para a luz. Fechada dentro do seu “mundo interno” conseguiu criar uma linguagem para o exterior com a ajuda da sua professora Anne Sulivan.

Para finalizar, as áreas do cérebro do córtex cerebral como a área de Broca e Wernicke podem criar várias modalidades de afasia quando danificadas.

O cérebro humano e os vários suportes sociais e cognitivos, especificamente os linguísticos proporcionados pelo ambiente, é o que nos torna verdadeiramente humanos, sem a linguagem, a evolução da capacidade humana não faria sentido e não poderíamos comunicar com o outro, isto é, seria um monólogo mundial e de crescimento nulo, na sua falta de eco.

Somos parte de um todo em interacção que precisa de se encontrar no outro e nos estímulos sociais e naturais. O Homem precisa entender-se e encontrar a sua posição no mundo; quer simplesmente sentir que faz parte de algo com sentido e “fazer-se existir” numa palavra, num gesto, numa emoção, sentido, presença, tacto, cheiro, paladar e no próprio silêncio através de uma linguagem entendida universalmente.

Terminando com uma frase do meu livro

O livro que escreveres, o verso que entoares, o trabalho que melhor executares é a mais sofisticada posição sobre ti mesmo.

Bibliografia:
Psicologia, Gleitman H. Fundação Calouste Gulbenkian, Serviço de educação, 4ª edição. 1999
Os Outros Lados do Prisma, Rodrigues I. 1ª Edição. 2015

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