Uma providência cautelar requerida por José Sócrates proibiu as publicações do grupo Cofina de divulgarem quaisquer elementos constantes do processo em que o antigo Primeiro Ministro é arguido, se esses elementos forem obtidos a partir do próprio processo. E proibiu também que dois jornalistas do mesmo grupo, admitidos como assistentes no processo, divulguem a qualquer trabalhador do grupo Cofina os dados que possam obter através do acesso, que lhes é permitido na qualidade de assistentes, aos autos.
De forma praticamente unânime, tanto quanto me foi dado perceber, saiu a condenação a esta sentença: ameaça à liberdade de imprensa; censura prévia; impedimento do exercício do direito a informar. Comentadores, jornalistas, políticos, juristas, num uníssono pouco habitual entre nós, censuraram a decisão e condenaram às penas do inferno quem a proferiu. E não tardou que um qualquer órgão de comunicação, penso que do grupo Cofina, viesse lembrar que a Juiz que proferiu tal decisão teria sido nomeada em tempos de governo Sócrates para um qualquer cargo. Ou seja, jornalismo de qualidade, protegido pela liberdade de imprensa.
Sabendo embora que desagradarei a muitos, tenho que dizer que não concordo inteiramente com estas posições.
O que um leitor legitimamente espera de um jornal e de um jornalista que divulgar elementos relacionados com um processo judicial, é que não esteja ele próprio empenhado e comprometido com o resultado desse processo. Se o jornalista tiver um interesse no resultado isso vai desvirtuar a sua objectividade e a forma como dará as notícias.
Sem discutir aqui o estilo jornalístico de algumas publicações do grupo Cofina, com realce para o Correio da Manhã, de que não gosto mas que tem toda a liberdade de seguir a sua linha editorial, tem sido evidente que essas publicações têm sido particularmente activas e prolixas na divulgação de factos alegadamente relacionados com José Sócrates e o processo, claramente visando criar na opinião pública um sentimento de culpa e de condenação pública do antigo PM. Mas podemos considerar, também legitimamente, que essa divulgação de factos não obedece ao distanciamento e indiferença perante o resultado que se esperaria de um órgão de comunicação.
Como se sabe, dois jornalistas do Grupo Cofina são assistentes no processo em que Sócrates é arguido. Para os menos informados, o assistente é um sujeito processual, com intervenção activa no processo, quer colaborando com o Ministério Público, quer autonomamente praticando actos, juntando provas, e podendo aderir à acusação do MP, ou reagindo caso este não acuse, pedindo a intervenção do Juiz de Instrução para que o arguido seja levado a julgamento.
O assistente é assim alguém que tem interesse na condenação do arguido, não lhe sendo indiferente o resultado do processo. Por outro lado, é alguém que tem acesso ao processo, sabendo o que nele consta. E ao divulgar factos e provas, certamente que vai seleccionar aqueles que vão no sentido do resultado que pretende obter.
Há que dizer claramente: os jornalistas da Cofina que se constituíram assistentes, por iniciativa própria ou indicação dos seus superiores, deixaram de ser Jornalistas, no melhor sentido da palavra, em relação a este caso, passando a ser interessados. E naturalmente que as informações que publicam não resultam de qualquer investigação, mas da mera consulta do processo, para além do mais em segredo de justiça. Estes jornalistas têm também vantagens em relação a colegas de outros órgãos que, não tendo o mesmo acesso ao processo, não têm a mesma possibilidade de divulgação de factos, e os que divulgam resultam da sua investigação.
Portanto, a proibição de o grupo Cofina divulgar notícias e provas que tenham obtido através do processo, bem como a proibição de os jornalistas assistentes divulgarem o conhecimento que têm do processo, não constitui em si um ataque à liberdade de imprensa. Esta quer-se livre, e não enfeudada a um resultado que previamente definiu.
Obviamente que já não teria a mesma opinião se a proibição se estendesse a outros jornais ou outros jornalistas que não têm esta particular relação com o processo. Aí haveria verdadeira limitação ao direito de informar.
Na vertente oposta ao direito de informar encontramos o direito ao bom nome e à presunção de inocência. Será que Sócrates não tem esses direitos, como qualquer outro cidadão? Não é prova de cidadania exigirmos para nós que a Constituição, com os seus “direitos, liberdade e garantias”, seja respeitada; mas se se trata dos outros, pode haver excepções.
Se, em torno deste caso, como em relação a outros no passado, não houvesse a intenção deliberada de condenar pessoas na praça pública antes que o tribunal o faça (e casos houve em que os visados nem chegaram a ser condenados pelo tribunal), teríamos, aí sim, uma imprensa mais livre, e não seria necessário pedir a um tribunal que distinguisse o que é informar daquilo que é a utilização abusiva de uma posição processual. Se um jornalista pretende informar livremente não pode assumir uma posição num processo judicial, pois aí deixa de ser livre e passa a ser interessado. E isso não serve o Jornalismo nem a liberdade de informar.
[…] Se, em torno deste caso, como em relação a outros no passado, não houvesse a intenção deliberada de condenar pessoas na praça pública antes que o tribunal o faça (e casos houve em que os visados nem chegaram a ser condenados pelo tribunal), teríamos, aí sim, uma imprensa mais livre, e não seria necessário pedir a um tribunal que distinguisse o que é informar daquilo que é a utilização abusiva de uma posição processual. Se um jornalista pretende informar livremente não pode assumir uma posição num processo judicial, pois aí deixa de ser livre e passa a ser interessado. E isso não serve o Jornalismo nem a liberdade de informar. (Tomaz de Albuquerque) Ler mais… […]