No decurso dos Jogos, que se iniciam hoje e terminam no próximo dia 18, certamente haverá muita emoção com a disputa das 23 modalidades Paralímpicas. Em 11 dias de competição, 528 provas valerão medalhas: 225 femininas, 265 masculinas e 38 mistas.
As cerimónias de abertura e de encerramento decorrerão do Estádio do Maracanã, o maior estádio do Brasil e estão entre os momentos mais esperados dos Jogos. Elas dão o tom do evento, quando abrem caminho para celebrar a agenda desportiva. E, no momento de despedida dos atletas, reforçam o agradecimento da cidade-sede com grande confraternização.
“A gente politizou a nossa cerimónia”, afirmou Marcelo Rubens Paiva, escritor e dramaturgo, natural de São Paulo, com 57 anos e paraplégico desde os 20, que divide a direcção criativa da abertura com o artista plástico Vik Muniz e o designer Fred Gelli. Os três trabalham juntos desde 2014, quando começaram uma série de workshops.
Marcelo, em entrevista recente ao Rio 2016, esqueceu-se de que era detentor dos segredos mais cobiçados dos Jogos Paralímpicos e contou alguns detalhes da cerimónia de abertura, “a gigantesca festa de quase três horas de duração”, que tem início hoje às 18h15.
Reproduzimos alguns excertos dessa entrevista:
Marcelo Rubens Paiva em discurso directo
Rio 2016 – Quais suas memórias de Jogos Paralímpicos?
Paiva – Fui convidado para cobrir os Jogos Atenas 2004. Fui mais interessado na viagem de graça e, quando cheguei lá, vi a abertura, a quantidade de atletas, delegações, fiquei impressionado. Percebi que tinha os olhos da pessoa preconceituosa que não conhece o esporte Paralímpico, que acha que são uns coitadinhos tentando reproduzir o esporte dos adultos.
Quais imagens ficaram desta primeira experiência?
– Lembro de uma atleta que, brincando, eu apelidei de vírgula, porque ela não tinha os braços e uma perna. E ela nadava como se fosse um golfinho. E eu vi aquela mulher nadando, era a coisa mais linda do mundo, era muito rápida. Eu nado três, quatro vezes por semana, é o meu esporte.
Como é organizar uma grande festa num momento de turbulência política no país?
– Fico muito aflito. Sou um cara de esquerda, rebelde, protesto contra a corrupção. Sinto que a gente está fazendo o que precisa ser feito, cumprindo uma missão. Só daqui a cem anos é que haverá outros Jogos, se houver, no Brasil. Quando começou aquele protesto ‘não vai ter Copa’, eu olhava aquilo e dizia, ‘vocês são ridículos’. Vai ter Copa e vai ser lindo. E foi.
Qual a mensagem que a cerimônia quer passar para o Brasil e o mundo?
– A gente politizou nossa cerimônia, foi proposital, eu bati muito o pé. Começa com bom humor para mostrar que deficiente também ri, também se mete em situações engraçadas, para derrubar o estereótipo do tristinho. E mostrar solidariedade, que nós nos ajudamos, que as pessoas nos ajudam, por boa vontade. Durante minha vida toda, nunca ouvi alguém se recusar a me ajudar, e isto acontece com todos os deficientes. A gente desperta o que há de bom no homem.
Pode dar algum exemplo de como vamos ver isto na abertura?
– Não posso dizer muito, mas no final da cerimônia, um cara com deficiência passa por uma dificuldade, e o estádio, de certa forma, ajuda. Fiz política estudantil, minha família combateu a ditadura. Desde que me tornei deficiente ativista, a minha política é através dos movimentos de deficiência.
Já que você não pode falar como vai ser a cerimô então como não vai ser a cerimônia?
– Não vai ser piegas, não vai envergonhar. Você vai chorar de emoção, em alguns momentos. Vai ser quase como um truque de mágica, com muitos ‘pop-ups’, como aquele livro infantil, sabe? Com muita ilusão de ótica. O Vik adora mágica.
Como fazer algo cheio de emoção fugindo do piegas?
– É algo do qual me orgulho muito. E não foi só minha presença que fez isto rolar. Nosso time tem pessoas bastante modernas, contemporâneas, que convivem com a diversidade. Não tive dificuldade nenhuma de impor uma ideia. Às vezes tinha que chamar para uma realidade.
Que realidade?
– Nos primeiros workshops, algumas vezes eu tinha que fazer eles fugirem do lugar comum, refletirem um pouco mais profundamente sobre o esporte de deficientes, como as deficiências devem ser vistas. Foi muito fácil, eles pegaram muito rápido, porque são artistas, pessoas brilhantes. Acho que o clichê é a pura preguiça de criar.
A cerimônia Olímpica tem mais dinheiro e mais atenção. Rola uma rivalidade?
– A gente quer fazer melhor que eles, claro. Eles estão meio enrolados, e a gente é mais livre, isto que é legal. Trocamos muita informação, as equipes trabalham juntas. A gente sabe que a prioridade é o Olímpico. Nós vamos partir para o lado B, e o lado B é tão bom quanto o A, às vezes até melhor. Somos a turma do fundão, dos malucos. A gente está propondo coisas muito doidas e estão aceitando tudo.
O que você traz da sua experiência literária para a cerimônia?
– Todos os segmentos têm curvas dramáticas, é muito ópera. E tudo precisa de dramaturgia. Tudo o que aprendi em literatura aflora aqui. O que você verá é o funil de um balde de ideias que ficaram para trás, e muitas estão no meu inconsciente. O escritor é solitário, e agora trabalho com pessoas muito alto nível. Sou o autor da Praça Roosevelt (popular área dedicada ao lazer e à cultura no centro de São Paulo) que conheceu o Cirque du Soleil.
Texto da entrevista reproduzido na versão original, escrita em português do Brasil