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João de Sousa

Quarta-feira, Dezembro 25, 2024

Será a Democracia possível sem Estado de Direito?

João de Sousa
João de Sousa
Jornalista, Director do Jornal Tornado

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A divisão das funções do Estado em Legislativa, Executiva e Judicial, e a independência de cada uma face às restantes, não visa criar “ilhas” de Poder ao abrigo do escrutínio da sociedade e dos cidadãos, nem construir um regime diferenciado de “direitos especiais” para qualquer dos que, a cada momento, as exercem.

Faz parte da essência da norma jurídica a universalidade do seu âmbito e o equilíbrio de poderes-deveres entre os órgãos do Estado e os cidadãos, de onde deriva, recorde-se, a origem de todo o Poder, de todos os poderes. Nesta definição, hegemónica nos Estados civilizados e democráticos, não há lugar para “iluminados”, muito menos para “missionários”. O cumprimento e aplicação da Lei não podem ser encarados como “missão”, mais adequada às Teocracias, mas sim como “função”, parametrizada por regras que visam proteger o cidadão contra as arbitrariedades e os preconceitos dos indivíduos que exercem, de forma transitória, esse Poder e, como tal, mais susceptíveis de dele abusar.

Prazos: balança da Justiça com dois pesos e duas medidas

Uma Lei com uma redacção equívoca oferece grande latitude de interpretação sobre a “obrigatoriedade” do cumprimento dos prazos: para os arguidos não existe qualquer “elasticidade”. Requerimentos ou quaisquer outros incidentes processuais têm prazos impreteríveis – um segundo de atraso determina de forma irrevogável a sua inadmissibilidade e consequente inexistência jurídica e desconsideração processual.

Já para a Procuradoria, segundo a jurisprudência dominante, os prazos têm um valor meramente indicativo, podendo, no limite, estender o inquérito até à prescrição do crime. A doutrina divide-se quanto a esta interpretação amplíssima, corrente na Procuradoria e dominante na jurisprudência incluindo a praticada pelos Tribunais Superiores até ao Supremo.

Além de absurda, tal interpretação da Lei prefigura, a meu ver, um claro abuso de poder e uma inconstitucionalidade evidente. A Constituição, no capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias, define um conjunto de normas para tutelar as relações entre os Cidadãos e o Estado, representado pelos seus órgãos, um regime de equilíbrio entre os primeiros e o segundo, destinado a proteger a parte mais fraca na relação: os cidadãos.

No mesmo sentido concorre a ponderação da necessidade de afectação de recursos, e o seu custo para os contribuintes, e o objectivo que prossegue. Isto é, não faz sentido esportular recursos públicos, por tempo indeterminado, apenas para satisfazer caprichosas convicções íntimas que dificilmente encontrarão provas que as sustentem, por mais plausíveis que aparentem ser.

É pertinente perguntar: quanto já custou ao bolso dos contribuintes a obstinação dos inquiridores do caso “Marquês”? Quanto irá custar mais ainda em resultado da procrastinação do prazo do inquérito por mais 180 dias, renovável?

Uma trapalhada processual

procurad-geralTemos alguma razão para acreditar que dentro de 180 dias será, finalmente, deduzida a acusação deste processo? A avaliar pelo histórico do inquérito, a meu ver, não muito. A gravidade deste adiamemto só é agravada pela intervenção da Sra. Procuradora-Geral. Por quanto mais tempo irá a acusação beneficiar desta benevolência acerca dos prazos? Qual o tempo máximo que se irá permitir para deduzir a acusação. Esta “chanfana” jurídica está a produzir danos irreparáveis à imagem da Justiça

E se, apesar do meu cepticismo, daqui a seis meses o Ministério Público deduzir uma acusação contra o principal arguido? O que teremos? A alegada complexidade do processo não colhe aqui uma vez que a dado momento o juiz de instrução considerou haver indícios suficientemente fortes para prender. A suposta complexidade resulta de tal não encontrar eco nos factos o que obrigou a prosseguir a investigação em várias direcções.

Um mega-processo, intratável, fundamentado em “estados de espírito” resultantes da amálgama de “casos”, supostos ilícitos sem qualquer relação entre si e alegados “crimes” que, tratados em separado, não têm qualquer consistência probatória. Pelo menos não a suficiente para acusar.

Desde o início do inquérito a errática investigação seguiu “indícios” de eventuais ilícitos sem qualquer relação entre si. Saltou de cenário em cenário como quem procura um crime para um criminoso quando o processo deveria ser o inverso. Neste momento o alvo é o GES. Mas já foi o Vale de Lobo. E antes desse outros.

No meu modesto entendimento, José Sócrates já tem, neste momento, um processo com pernas para andar no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Na verdade, os alegados “sólidos indícios” que levaram à sua prisão preventiva durante 9 meses não eram suficientes para acusar. Como de resto não foram porque não houve acusação.

Quaisquer desenvolvimentos subsequentes da investigação e do inquérito não colhem nem relevam para a medida de coacção que lhe foi aplicada por serem desconhecidos à data da sua detenção. A detenção e consequente medida de coacção privativa da Liberdade foram baseadas em “convicções” sem quaisquer elementos sólidos que os corroborassem.

O Procurador e o Juiz de Instrução deveriam ter produzido a acusação que levou à prisão preventiva com os elementos de que dispunham e que lhes pareceram adequados para fundamentar tal decisão gravosa à data da decisão. Das investigações subsequentes deveriam ter sido extraídas certidões e abertos novos inquéritos e processos. Assim não aconteceu. Porquê? Porque o Procurador quis criar um mega-processo e porque o Juiz de instrução se conduziu como um prolongamento da “acusação” e não, como deveria, como guardião dos direitos e garantias do cidadão. Curiosamemte coincidentes com os calendários políticos.

Quanto vai custar ao Estado, e aos contribuintes, este procedimento inexplicável do TCIC e dos Procuradores encarregados do processo? Nove meses de prisão mais 44 meses privado de paz jurídica, mais os prejuízos reputacionais e a perda do emprego?

Se Sócrates avançar para o Tribunal Europeu esta “missão” vai sair cara ao Estado português. Muito cara!

Leia  Marcelo, DCIAP, SIC e TIC , uma “cacha” do Tornado

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