João e Manuel, amigos de infância, reencontraram-se ao fim de alguns anos. Um tinha ido para a Dinamarca dar aulas e o outro mantivera-se por cá, sempre receou se o arrancassem deste país não sobreviria ao transplante, criara uma galeria de Arte Contemporânea.
Tinham muitas coisas em comum desde que na escola namoraram a mesma menina ao mesmo tempo. Ora, por aqui já se vê que, para além do sucesso que viriam a obter nas suas carreiras, eram uns valentes canalhas, mas não daqueles que assustam e sim daqueles que apascentam.
Encontraram-se precisamente no Bar dos Canalhas, numa daquelas noites frias, num daqueles dias em que o povo lá andava nas ruas à procura de esmeraldas, pelo menos foi assim que ambos traduziram as notícias que estavam fartos de ouvir nas tvs, nos rádios e ler nos jornais.
E foi precisamente no meio de mil abraços, apertos dos ossos, e até beijos de incontida emoção, que começaram a badalar nos portugueses, na generalidade dos portugueses, os tais que andam nas ruas à procura das pérolas, que mais não passava de uma metáfora para dizerem que andam sempre a votar nos mesmos, à vez, seguramente convencidos que eles devem ter algum valor escondido…tão escondido que vão demorar a mostrá-lo.
Disse o João:
– Ó pá, quando regressei da Dinamarca reparei que não se vê nenhum português gabar-se de ser um português médio. Para um português, português médio é toda a gente, salvo ele próprio.
– É bem observado meu amigo – diz Manuel – pequeno, médio ou gordo, não se quer ser, antes de tudo, nem pequeno, nem médio, nem gordo.
– Porra meu, estás um filósofo do caraças, pá. Se Confúcio te ouvisse acolhia-te como seu acólito, pá.
– Nada disso meu camarada, é a vivência…tu estiveste fora, foste cedo, levaste contigo (quase) a meninice.
– É verdade, Manuel, mas desde que regressei já deu para ver que em qualquer parte de Portugal, basta sentarmos-nos a uma mesa para ouvir um ou mais portugueses a dizer «os portugueses adoram isso!» ou «nunca se ouvirão os portugueses a admitir isto!» ou, mais concretamente «os portugueses não têm emenda!»…tudo isto como se eles estivessem de fora.
– E por lá, no estrangeiro? Como «somos»?
– Lá, afirmamos categoricamente a nossa origem «Eu sou português, meu caro!»…porém, daí a confundi-los com os portugueses em geral, como um portuga corrente, isso não! O «eu» é que prevalece, nada de misturas.
João e Manuel concluíram, da mesma forma que concluíram a garrafa de champanhe nacional – o dito espumante, nada de confundir com os outros e estragar a festa do “eu” – que é assim que gira o mundo dos portugueses, arrancando o rótulo que criaram ou lhe colocaram para o pregar nas costas do vizinho!
Então é por isso, digo eu, que em nós, portugueses, o poético e o patético andam juntos. Dão-se bem e caminham alegremente de mãos e bracinhos dados.
Olhei para “nós”, chamei o melhor dos meus sorrisos, ele veio, viu o que eu via e espraiou-se prazerosamente.