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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Roteiro para uma ponte

tomar

A reposição do Feriado do 1 de Novembro em Portugal poderá ter algum impacto no turismo já em 2016. Celebrado este ano a uma terça-feira, o Dia de Todos os Santos permite gozar quatro dias de descanso a quem tenha marcado férias para o dia 31 de Outubro. Dois dias e mais um fim-de-semana que pode aproveitar para conhecer o país.

De modo a dar para todos, sugere-se um passeio à região centro. O triângulo constituído pelos históricos municípios de Tomar, Torres Novas e Abrantes, até tem concretização numa estratégia conjunta das três cidades do Médio Tejo, e a visita pode ser alargada às vizinhanças: Entroncamento, Golegã, Vila Nova da Barquinha, Constância, Vila de Rei são algumas dessas opções.

Chegar

A A23 liga Torres Novas a Abrantes e tem saídas directas para o Entroncamento e para Constância. Dá também acesso a outras localidades a visitar. Actualmente esta estrada tem pórticos de pagamento de portagem em partes do percurso. Para os evitar terá de entrar e sair da via várias vezes. O melhor seria mesmo usar as estradas nacionais e municipais, e aproveitar a paisagem, que nalguns sítios vale bem a pena.

Tomar

Das várias cidades propostas, Tomar será quase de certeza a mais visitada. E só por si merece máxima atenção. Para lá chegar, a partir da A23, pode apanhar o IC3, ou a nacional, se preferir. O convento de Cristo é património da Humanidade, mas o roteiro monumental da cidade não se esgota aí (e nem sequer nos quatro dias desta viagem). O convento foi sede da ordem do Templo em Portugal, e fica dentro das muralhas do velho castelo templário. Aí se instalou também a ainda hoje existente Ordem de Cristo, criada em 1318, por jogada diplomática do rei D. Dinis.

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O monarca português pôs-se assim à margem do processo de perseguições, tortura e execuções iniciado contra os cavaleiros do Templo pelo rei Filipe, o Belo, de França. Pressionada, a Santa Sé acabaria por extinguir os Templários, mas D. Dinis nacionalizou-lhes o património que incorporou na Coroa e transferiu, sem convulsões ou perseguições, para a ordem recém-criada.

Dentro deste recinto, no paço desaparecido, à direita de quem entra às portas do castelo, viveu o Infante D. Henrique, o das Descobertas, mestre da Ordem de Cristo. Morreu também o irmão, o rei D. Duarte, em 1438. Nesse mesmo lugar foi coroado o rei Afonso V, de cinco anos, a idade que tinha à data da precoce morte do pai. No século seguinte, em 1523, representou-se o Auto de Inês Pereira, de Gil Vicente. O rei João III e sua corte eram a assistência.

Passado o jardim de entrada e as escadarias, é o convento, cujo edifício teve vários acrescentos ao longo da história. Primeiro, o portal principal, da autoria do João Castilho, o mesmo dos Jerónimos. E vão dois monumentos património da humanidade para o arquitecto. Um arco profundo de três arquivoltas e temas manuelinos e, a encimar o conjunto, o grande pálio franjado de corais. Aqui, já dentro do convento, o viajante depara com a Charola, santuário primitivo dos templários. Facetada de 16 lados, é o tipo de igreja em rotunda, de origem síria, que inspirou o templo de Jerusalém e os monges-cavaleiros que por lá combateram nas cruzadas. Data do século XII, mas foi acrescentada com pinturas retabulares e mural, talha e escultura já no XVI, quando foi convertido em cabeceira da igreja.

Os acrescentos são uma constante nas obras seculares. Ainda neste piso de entrada, a ver, logo ali ao lado da mítica charola de Tomar, há dois claustros: O do cemitério, construído no tempo do Infante D. Henrique, e o da lavagem, onde os donatos, serviçais sem votos religiosos, tratavam dos trabalhos domésticos. O chamado claustro principal, tido como uma obra-prima do Renascimento, tem dois pisos e é servido por escadas de caracol. Teve mão de Castilho, de Diogo janela-manuelinade Torralva e de Filipe Terzi, ao longo de várias décadas de demolições e trabalhos do século XVI. No longo corredor do dormitório há 40 pequenas celas, aposentos dos monges-cavaleiros.

No piso abaixo, fica a famosa janela manuelina do Convento de Tomar. Atribuída a Diogo de Arruda é um rico trabalho, em estilo híper-realista segundo motivos bíblicos, como a árvore da vida.

É também aqui, que fica o piso térreo do claustro da lavagem, onde o viajante encontra os tanques usados nas limpezas conventuais.

Para ver, antes da saída, num segundo piso abaixo do de entrada, ainda passará pelo Claustro da Hospedaria, albergue de hóspedes e peregrinos; o refeitório onde os monges tomavam as refeições entre leituras sacras feitas dos púlpitos; e o claustro da Micha, de portal quinhentista oriundo da primitiva portaria.

Já fora do edifício, tempo para uma volta final pelos laranjais e jardins do lugar.

Nossa Senhora da Conceição, Aqueduto e Mata dos Sete Montes

Bem próximo do Convento, tem mais três opções de visita: o pouco conhecido aqueduto de Pegões, obra filipina, que levava água ao edifício sede da Ordem de Cristo; a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, templo que esteve para ser panteão de João III; e, na base da elevação conventual, a mística mata dos Sete Montes.

Do sítio onde está à Igreja de Nossa Senhora da Conceição vai-se mesmo a pé. Se o viajante veio do cento da cidade foi impossível não dar com ela do lado direito, quando subiu do monte para o Convento. Basta atravessar dois pisos de parques de estacionamento e atravessar a estrada para ir de um edifício para o outro.

É um prédio severo da Igreja Católica da Contra-Reforma, ao estilo clássico italiano, um templo de proporções e harmonia secularmente gabadas. O desenho da moldura das janelas e portas é oblíquo, de modo a aproveitar melhor a inclinação solar e a entrada de luz no monumento. Circunde-a e aproveite a paisagem sobre a cidade, a Várzeas, o parque do Mouchão, a ponte do Rio Nabão, a capela de Santa Iria e a Igreja de São João Baptista, onde já irá. Para o outro lado, noutra encosta, a ermida de Nossa Senhora da Piedade, ali situada desde o século XIV.

Para o aqueduto de Pegões segue-se contornando o convento, deixando o edifício à esquerda de quem vai. Ainda fica a um par de quilómetros de distância e foi iniciado por Filipe Terzio, ainda no reinado de Filipe I de Portugal. Teve 180 arcos e em parte do percurso tem arcaria de duas ordens sobrepostas, ou seja, descomplicando o arquitecturês, tem dois andares de arcos.

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A Mata dos Sete Montes fica no sopé da colina conventual e dentro da sua cerca, pertenceu ainda ao património agrícola dos monges-cavaleiros. São 39 hectares, com jardim, mas o grosso é floresta, com os inevitáveis pinheiros da região, mas também freixos, carvalhos, ciprestes.

A cidade

A partir da entrada da Mata Nacional dos Sete Montes, siga pela rua em frente. Do lado esquerdo fica o antigo solar dos Quentais. São os mesmos do poeta açoriano, sonetista de génio, companheiro de Eça e um dos primeiros socialistas portugueses. Podia cortar para a esquerda, mas já lá vai. Para já continue até à rotunda, onde fica também a sede do Instituto Politécnico de Tomar. Ficam também os estaus, arcaria que pertenceu a uma desaparecida edificação pertencente ao Infante D. Henrique, destinada a hotel dos viajantes. Nas redondezas, várias casas ainda mantêm portas envolvidas em arcaria gótica, dos tempos medievais.

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Se quiser, pode atravessar o Nabão logo ali. Do outro lado da ponte nova, fica o mercado municipal, obra do século XX. Por trás, a Igreja de Santa Maria dos Olivais, com a sua torre sineira separada do edifício principal. Terá sido a primeira sede dos templários, instalados em Tomar ainda no século XII. Gualdim Pais, o mestre fundador tem aqui a sua sepultura. A parte mais primitiva do templo data da segunda metade do século XIII. De regresso à ponte nova, atravesse-a e corte à direita, na rotunda. Encontra os lagares del rei, conjunto industrial com origem medieval. Depois de os passar, entre na ponte velha. Tem vista sobre o Nabão.

Diz a lenda que foi nestas margens que lançaram ao rio a mártir Santa Iria. O seu corpo seria depois encontrado já no Tejo, na ribeira de Santarém. Uma capela, dedicada à padroeira da cidade, assinala o lugar. No interior, observe o calvário em pedra e a nave forrada com os chamados azulejos ponta de diamante. O retábulo de Cristo Crucificado é atribuído a João de Ruão, o mesmo da Sé Velha de Coimbra e da monumental matriz da Atalaia, uma vila a uns 15 km de Tomar. No exterior da capela, fica o Arco das Freiras, um passadiço sobre o arruamento a ligar edifícios religiosos por via áerea. Volte a atravessar a ponte velha e entre na Serpa Pinto, Antiga Corredora, rua pedonal e de comércio.

A artéria tem dois cafés de tradição e uma esplanada já no final, junto à Igreja de São João Baptista e da Câmara Municipal. Logo à direita, a pastelaria Estrelas de Tomar, onde encontra doçaria regional e de inspiração conventual. Fundada em 1960, mantém os traços dessa elegância na pequena sala. Especialidades assentes nos fios e doces de ovos, como os beija-me depressa ou as fatias da china. Da grande janela panorâmica tem vista para os açudes do Nabão e para o Parque do Mouchão, que pode visitar a seguir. Mais à frente, na Corredoura, à esquerda, fica o Café Paraíso, talvez o mais emblemático da cidade. Já completou 105 anos e acompanhou os tempos. Sem adulterar a arquitectura de meados do século XX, é hoje ponto de encontro dos muitos estudantes da cidade.

Chegado ao largo onde se encontra a Câmara Municipal, não deixe de visitar a Igreja de São João Baptista. Dos antigos painéis persistem vários de autoria de Gregório Lopes, pinto régio de João III e autor de um Martírio de São Sebastião, que hoje está no Museu Nacional de Arte Antiga, mas decorou a charola do Convento. Neste templo de Tomar, o trabalho mais impressionante deve ser Salomé, com a apresentação da cabeça degolada do santo. Uma obra-prima imperdível da pintura portuguesa.

Museus e parque

Para arte mais moderna tem, não muito longe, o Núcleo de Arte Contemporânea. É fácil dar com ele, na Rua Gil de Avô. À porta, tem uma enorme escultura de José de Guimarães e um painel de azulejos de Eduardo Nery. No interior, entre outros trabalhos, encontra obras do surrealismo português, de António Pedro, a Vespeira. Também de modernistas como António Eloy ou Almada. O espaço foi criado em 2004, por doação de acervo de José Augusto-França. O crítico e historiador de arte, é natural de Tomar, como o compositor Fernando Lopes-Graça outra grande figura da chamada alta cultura portuguesa, que tem em Tomar uma Casa-Memória, na na Rua Dr. Joaquim Jacinto, nº 25.

O Núcleo de Arte Contemporânea fica no caminho para o parque do Mouchão, em cuja entrada pode ver uma velha nora, hoje parada, mas ainda com alcatruzes, vestígios do tempo em que todo o rio era usado como força motriz dos mais diversos trabalhos. Recupere forças debaixo do arvoredo antes de regressar ao largo da igreja de São João Baptista.

Encontra-se no centro histórico de uma cidade com vários centros históricos. A partir da igreja, apanhe a Rua de Infantaria 15. Numa perpendicular, no casario de traçado miudinho ficava a judiaria. Ali, na Rua Dr. Joaquim Jacinto, antiga Rua Nova, no nº 73, acha-se a velha sinagoga de Tomar. Data do século XV, mas durante muito tempo serviu de celeiro. Hoje é o museu luso-hebraico Abraão Zacuto.

Retome a Rua de Infantaria 15, o regimento histórico da cidade, e regresse, após uma grande volta, à Rua Cândido Madureira, junto ao solar da família Quental. Um pouco mais à frente, junto ao tribunal, no convento de São Francisco, fica o Museu dos Fósforos Aquiles da Mota Lima. Mais de 80 mil caixas, etiquetas e carteiras de fósforos doados à câmara em 1988.

Arredores

Para terminar uma visita puxada, conheça o concelho. Mas precisa de automóvel. Junto à entrada da Mata dos Sete Montes tome a estrada das Algarvias. Nessa localidade, fica o Chico Elias, restaurante consagradíssimo. Só funciona com reservas e serve velhos pratos conventuais, como couve à D. Prior e coelho na abóbora.

Para refeições, é uma hipótese entre outras. Na cidade e nos arredores: na Portela de São Pedro, fica a Lúria, outra casa de renome. Mesmo em Tomar, tem A Bela Vista, junto à ponte velha, com vista sobre o rio. Na rua da judiaria fica a Casa das Ratas, pitoresca tasca de peregrinações estudantis. Pela mesma estrada que o levou a Algarvias, chegará a Cem Soldos, aldeia que organiza há vários anos o festival de Bons Sons. Um evento comunitário dedicado à música portuguesa.

Ainda nos arredores de Tomar, zona de Santa Cita e Linhaceira, vale a pena passar pela barragem de Castelo de Bode e pela Fábrica da Matrena, instalações de indústria papeleira, mergulhadas nas águas do Nabão. Hoje inactiva, foi fundada em 1900 e forneceu papel à casa da Moeda.

Um aviso final. Não se esqueça o viajante de que Tomar é apenas uma das sugestões para aproveitar um fim-de-semana de quatro dias. Torres Novas Abrantes, Entroncamento, Golegã, Vila Nova da Barquinha, Constância e Vila de Rei são outros lugares a visitar.

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