Virginia pensou na cobra e no sapo depois de assistir ao congresso anual do Partido Trabalhista, em 1º de outubro. O clímax do congresso surgiu com a discussão quanto à Inglaterra preparar-se, ou não, para apoiar sanções econômicas à força, se Mussolini invadisse a Abissínia.
O líder do partido, George Lansbury, falando pela velha escola de socialistas internacionais, apoiou nominalmente a Liga das Nações e seu sistema de segurança coletiva, mas se opôs ao mesmo tempo a sanções à Itália, que a seu ver aumentariam as possibilidades de guerra.
Leonard Woolf descreveu-o como “um desses homens bons, sentimentais, confusos e ligeiramente insinceros que, em teoria, têm pretensões tão boas e na prática fazem tanto mal”, (in Parte 2)
A impossível arte de conciliar o desencanto com a guerra e o enlevo da criação

Como Virginia poderia conciliar seus instintos políticos com suas responsabilidades como artista? Leonard, com quem ela conversava enquanto atravessavam o brejo, disse que “a política deveria ficar separada da arte”. Naturalmente ela concordou, mas essa fórmula não dissolveu sua raiva nem seu desejo de integrar-se à luta contra o fascismo.
O congresso do Partido Trabalhista motivou-a a articular sua posição. Passou os três dias seguintes num estado de agitação febril ao rascunhar um capítulo de “A próxima guerra” (por fim intitulado Three Guineas).
Evidenciou-se como sua preocupação era relevante quando, em 3 de outubro, Mussolini de fato enviou suas tropas para a Abissínia. Rapidamente a Liga das Nações aprovou sanções econômicas que não tiveram nenhum efeito notável.
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Mãos atadas ou braços cruzados?

Em 7 de março de 1936, encorajado pelo fracasso da Liga das Nações em deter Mussolini na Abissínia, Hitler avançou com suas tropas pela desmilitarizada Renânia, violando assim o tratado de paz de Versalhes; a França e a Inglaterra nada fizeram.
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Luta de classes está no cerne da violência

A infelicidade e a pobreza eram fomentadas pelo sistema de classes, no entender de Virginia, que se sentia pessoalmente responsável por isso, tendo em vista suas relações e sua renda pessoal.
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O franquismo se avulta

A situação na Europa se deteriorara ainda mais com a eclosão da guerra civil na Espanha, onde as tropas de Franco já lutavam contra as forças legalistas desde 16 de julho.
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A prática da arte aproxima o artista do humano
Virginia tinha acabado de escrever um artigo sobre o artista e a política, “The artist and politics”, para o jornal comunista Daily Worker, afirmando que os artistas, que em geral tentam manter-se fora dos debates políticos, deveriam renunciar a esse distanciamento em momentos de crise como aquele.
O interesse comum do artista pelas paixões humanas e a percepção dos sentimentos das massas necessariamente o atrairiam, a ele ou a ela, para a luta, “pois a prática da arte, longe de colocar o artista fora de contato com a sua espécie, aumenta ainda mais sua sensibilidade”.
Os artistas não poderiam ignorar as vozes que os chamavam para sair de seus estúdios e ateliês, devendo tornar-se politicamente ativos para garantir sua sobrevivência e a da própria arte.
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Frivolidades nunca saem de moda
A notícia de que o rei pretendia se casar com a considerada inadequada Mrs. Simpson produzia manchetes por toda parte, menos na Inglaterra purista. Quando o caso foi finalmente exposto, tornou-se foco central das atenções.
Virginia observou que “toda a Londres estava alegre e loquaz, não exatamente alegre, mas excitada”. O espetáculo absurdo, acrescentou Virginia, ocupava todo o espaço dos noticiários de jornais, nada sobre a Espanha, a Alemanha, a Rússia, todos cediam às fotos chamativas de Mrs. Simpson saindo de seu carro ou a revelações sobre sua bagagem.
Como observou Keith Feiling, biógrafo de Neville Chamberlain, “por dois meses preciosos, enquanto o genro do Duce, Ciano, estava em Berchtesgaden, enquanto a Alemanha assinava com o Japão pacto contra o Komintern e enquanto soldados fascistas entravam na Espanha”, o governo britânico preocupava-se exclusivamente com o desejo insignificante desse homem se casar com uma divorciada americana.
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Tudo indo e vindo e no entanto mudando

Virginia dedica-se ao livro “Os anos”, onde conta a história de uma família, particularmente da filha mais velha, Eleanor, que vive todo o prelúdio e eclosão da primeira guerra. Virginia se identifica com a personagem, coloca o drama íntimo que vive, com a guerra sobre a cabeça, no papel, usando uma precisão cirúrgica para transmitir o que sente.
Virginia comenta que, quando revisava o livro, havia colocado abaixo um matagal de detalhes para impedir que fizessem sombra sobre o padrão geral. “Quero manter o individual, e a impressão das coisas vindo e voltando e no entanto mudando. E é isto que é tão difícil: combinar os dois”.
No final do romance, Eleanor conclui que a vida resiste a todas as nossas tentativas de a resumir ou explicar, sendo composta por uma série infinita de acontecimentos e sensações casuais.
A impressão de recorrência e mudança vindo juntas, de passado e futuro interligados em outro plano qualquer, impregna as cenas finais. Publicou o livro em 15 de março de 1937.
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A guerra nem começou

Encerro aqui o encadeamento de fatos que o livro mostra. A narrativa vai muito além, até 1941, até a morte de Virginia. Mas a minha tese leiga — do suicídio como falta de esperança após viver duas guerras mundiais — não precisa de mais elementos.
A vida humana está imersa no oceano político, sob a mira da guerra. Muitos se iludem acreditando que estão com os pés secos e firmes em ilhas de neutralidade. Não existem, assim como as sereias.
A autora escreve em português do Brasil
Leia a Parte 1/3
Leia a Parte 2/3