Além da mentira que representa ostentar um grau académico a que não se tem direito, a verdade é que em Portugal as pessoas se julgam socialmente importantes só por alguém lhes chamar “doutor” ou “professor”.
É claro que os graus académicos são uma mais-valia para quem os adquire e não devem ser desvalorizados, ao contrário do que se leu a propósito deste e de outros casos semelhantes. Aliás, Portugal tem ainda um défice de diplomados no ensino superior.
A mania bem portuguesa do tratamento das pessoas pelos títulos é visível, por exemplo, nos foruns radiofónicos, em que os ouvintes que telefonam para esses programas chamam os jornalistas por “doutor”, mesmo depois de alguns esclarecerem que não o são. Um dia, um jornalista disse-me que deixou de rectificar quem o tratava por “doutor” por ter percebido que algumas pessoas se sentem mais importantes se estão a falar com um “doutor”. Nem mais!
Este assunto conduz a outro, que consiste na maneira como é feita a identificação dos colaboradores e comentadores dos jornais e televisões, em que surge por vezes a indicação “professor universitário” atribuída a pessoas que não possuem esse estatuto, independentemente de poderem colaborar com alguma universidade. É que ser professor universitário pressupõe uma carreira que aliás começa com o grau de doutor e não de licenciado. Dar umas aulas ou fazer umas palestras num estabelecimento de ensino superior não confere automaticamente o título de “professor universitário”.
Noutros casos, dá-se o contrário: pessoas com profissões como advogados e outras, são identificadas apenas como “colaborador…”. Ora, por uma questão de transparência, os leitores e telespectadores têm o direito de saber em que qualidade e qual a credencial que alguém ostenta para ser “colaborador” (residente) num jornal, ou numa televisão. Ser “colaborador” de um media não é identificação suficiente, ainda que o dito não tenha qualquer profissão ou especialização. É que sempre há-de existir algum motivo para que alguém se torne colaborador de determinado jornal, rádio ou televisão.
Isto dito, há outra perversão que merece nota. É o caso de pessoas que sendo, por exemplo, directores de canais de televisão assinam artigos em jornais como directores das respectivas televisões. Refiro-me, neste caso, (haverá outros), ao Diário de Notícias que possui como colunistas o director de informação da TVI, Sérgio Figueiredo, e o sub-director de informação da RTP, André Macedo.
Ambos assinam com os cargos que possuem nas respectivas televisões. Surge então a pergunta: escrevem em que qualidade? Os seus artigos vinculam os seus cargos ou escrevem como jornalistas, a título pessoal? E sendo embora o Diário de Notícias um jornal privado, porque não ter também como colunista o director da SIC? Qual o critério neste caso? ou não há critério e então porque razão os colunistas assinam os seus textos na qualidade de directores de televisão?
São questões que necessitariam de ser mais claras mas a que ninguém liga muita importância. Ser chamado de “doutor”, isso sim, parece importante…
Artigo publicado inicialmente no blog VAI E VEM