«Tempos de nuvens negras que se acastelam», antevê o professor catedrático Eduardo Paz Ferreira. «Não adianta continuar a dizer que “não há lobo”», avisa o ex-eurodeputado Rui Tavares
“Donald Trump vai ser o nosso presidente”! Se por um acaso tivesse passado despercebido, Hillary Clinton lembrou-o no seu discurso de circunstância, em que quebra o silêncio de quase dez horas, pouco antes da declaração de Obama. Ele é, e já ninguém tem dúvidas, o 45º Presidente dos EUA. E vai tomar posse a 20 de Janeiro do próximo ano.
Adjectivos e frases previsíveis ditam o indiscutível: “É doloroso e lamentável”; “Ainda acredito na América”; “Temos de aceitar o resultado e olhar para o futuro”. Sentimentos lastimados da candidata democrata antecedem um cenário difícil de predizer. Há um novo líder a comandar a democracia constitucional. E a própria Hilary remata em hino patriótico: “Nós somos mais fortes juntos e vamos avançar juntos”.
“Estamos a torcer pela união do país”, disse poucos minutos depois Obama, apelando à transição “pacífica”. “Muitos estão em euforia, outros não. É assim a democracia”, frisou ainda o actual presidente norte-americano, lembrando que o sol iria nascer no dia seguinte. E nasceu algures. Desconhece-se para já onde será o ocaso.
Que mundo vamos ter com Donald Trump na presidência dos EUA?
Depois dos eleitores do Reino Unido terem decidido abandonar a União Europeia e o legado que esta ainda conserva de protecção social e de direitos, foi a vez de os Estados Unidos abandonarem um legado civilizacional fundamental. Com a votação de ontem para a presidência e para o congresso, os EUA abandonam o concerto das nações civilizadas, a favor de uma arriscadíssima aventura.
Com grande lucidez, Paul Krugman interroga-se: “Não sei para onda vamos. A América será um Estado e uma sociedade falhados?”. No momento em que a ameaça de destruição do “Obamacare” corre em paralelo com a da deportação maciça de emigrantes e se pode prever o que será o insustentável dia-a-dia das minorias étnicas, todos os nossos pensamentos vão para as vítimas anunciadas.
Mas a Europa, salva do terror nazi, pela intervenção norte-americana, deixa de poder contar com essa ajuda nos tempos de nuvens negras que se acastelam. Os Estados unidos já não moram aqui.
A vitória de Trump era para ser levada a sério, como temos de levar a sério aquilo que ele e a sua direita nos dizem: que eles não têm interesse nos detalhes das políticas ou no debate sócio-económico mas que a sua política é inteiramente baseada nas questões identitárias e numa “guerra cultural” que travam a partir de uma visão nacionalista do mundo.
Da mesma forma, teremos de levar a sério o que isto significa para o mundo a partir do país mais poderoso do planeta. Não adianta continuar a dizer que “não há lobo” ou que Trump não é perigoso. Bush Jr. trouxe-nos a Guerra do Iraque, a legalização da tortura e um sistema de prisões secretas, Trump fará pior. E as instituições do sistema constitucional americano não serão obstáculo para ele: Trump tem nas mãos o Senado, a Câmara dos Representantes, o Partido Republicano e muito em breve o Supremo Tribunal. Trump prometeu processar os jornais que o atacaram. E a lição de Orban, Erdogan e Putin é que as estratégias de concentração de poder destes tiranos modernos funcionam.
Nada vai ser fácil. A oposição a Trump nos EUA e no mundo vai estar completamente desorientada e dividida. Putin e outros nacionalistas autoritários estão reconfortados. A União Europeia continua sem visão de futuro. E a resistência social e civil à vaga re-fascista não dará frutos imediatos. Não há glória nem prémios para quem quiser travar a batalha pela tolerância, o pluralismo, a democracia, o planeta e a cidadania — porque tudo isso está em risco. Contra egoísmo, generosidade. Contra cinismo, civismo. Contra nacionalismo, cosmopolitismo. Não se esqueçam que uma batalha por valores só ganha com valores opostos e convictamente defendidos. Haverá apenas um trabalho permanente e às vezes o breve conforto da camaradagem por uma causa. Mas agora estamos no plano do espírito de missão e da obrigação moral. Cada pequeno gesto será a sua própria vitória.”
Nota da Edição
Trump…olim
Celebridade pitoresca, truculenta e provocadora atirou que ninguém constrói muros maiores que ele. Os adversários retorquiram que ansiavam por construir pontes. Das acusações de racista, xenófobo e machista, teve de tudo um pouco. Tentou apaziguar os ânimos no discurso de vitória, alegando que quer sarar feridas e duplicar o crescimento económico norte-americano.
De seu nome Donald John Trump, com cabelo tingido de loiro, aterrorizou alguns milhões e fascinou outros. Nascido em Queens, a 14 de junho de 1946, foi o quarto de cinco filhos de um promotor imobiliário. Rezam as biografias que desde criança revelava um comportamento rebelde. As mesmas relatam que o pai teve de o tirar da escola aos 13 anos. A razão publicada é que havia agredido um professor. O pai, decide interná-lo na Academia Militar de Nova York, com a esperança de que a disciplina militar corrigisse o comportamento do filho.
Sem experiência política, bilionário republicano, tem a fortuna avaliada pela revista “Forbes”, em cerca de 3,3 mil milhões de euros. Viaja no seu Boeing privado 757 e conclui-se que as ideologias não são o seu forte. Democrata até 1987, virou para os republicanos mais tarde. Novamente entre 2001 e 2009 foi democrata. E republicano anos depois. Escandaloso, ousado, boçal, promete, no discurso de vitória, lidar de forma justa com todos os povos nações. Poucos esperavam que a estrela de reality show tivesse o seu dia D. Um lado do mundo acordou em choque. Expectante sobre o futuro. A perspectivar: Um Trump…olim para um mundo pior.