O contrato de trabalho sem termo (ou sem prazo, ou por tempo indeterminado), constitui a forma jurídica legal e constitucionalmente adequada para regular a relação de trabalho assalariado, em que um trabalhador presta a sua actividade por conta, sob a direcção e integrado na estrutura organizativa de uma dada entidade, colectiva ou individual. Aquilo que tradicionalmente caracteriza um contrato de trabalho e o distingue de todos os outros contratos é assim a subordinação jurídica do prestador do trabalho relativamente a quem dela beneficia.
A existência de um verdadeiro e próprio contrato de trabalho impõe o direito a uma remuneração que não pode ser inferior à que está estabelecida seja por via legal (salário mínimo), seja por via da contratação colectiva que seja aplicável ao caso, normalmente mensal, acrescida de subsídio de férias e de Natal (isto é, paga 14 vezes ao ano). Essa retribuição não pode ser baixada unilateralmente pelo empregador e sobre ela incidem os descontos referentes à pessoa do trabalhador relativamente ao IRS e à respectiva Segurança Social (Taxa Social Única – TSU), esta à taxa de 11%, devendo a entidade empregadora pagar a respectiva contribuição para a Segurança Social, à taxa de 23,75%, e ainda assegurar e custear um seguro obrigatório de acidentes de trabalho de que o trabalhador possa eventualmente ser vítima. Por fim, o contrato de trabalho implica a existência de um horário, com limites máximos dos respectivos períodos (8 horas/dia e 40 horas/semana) e se houver trabalho (chamado de “suplementar” ou “extraordinário”) para além destes, ele tem de ser pago com os acréscimos legalmente fixados.
Contratação precária fraudulenta
Ora, a verdade é que num País como o nosso e com a lógica que tem caracterizado todos os governos, sem excepção (do PSD e do CDS, em particular nos tempos da Tróica, mas também do PS – quem não se lembra da célebre teoria do Ministro Pinho, do governo Sócrates, de procurar apresentar e transformar os trabalhadores portugueses nos chineses da Europa? – e agora do PS, do PCP e do BE) de que o aumento da produtividade e do emprego se conseguem pelo aumento dos tempos de trabalho e pela diminuição dos salários e dos chamados encargos sociais, esse caldo de cultura tem conduzido ao crescente e impune proliferar das formas precárias e fraudulentas de contratação.
Desde logo, os contratos a prazo (ou a termo) e de trabalho temporário para cobrir verdadeiras necessidades permanentes das empresas! Em 2014, e segundo as estatísticas oficiais, os contratados a prazo eram 644.400, os quais, somados a outros 128.354 trabalhadores com outros contratos de duração limitada, significavam um total de 772.754, isto é, 21,4% da população activa. Isto, quando a média da UE-28 é de apenas 14%, e 84% de todos os contratos de trabalho celebrados em Portugal entre Outubro de 2013 e Junho de 2015 foram precários!?
Já agora convirá dizer também que o Estado, segundo estatísticas da própria Direcção Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP), do Ministério das Finanças, tinha em 30/06/16, 73.685 contratados a prazo, mais 14.254 tarefeiros e 6.488 avençados, num astronómico valor total de 94.427, correspondentes a 14,3% da totalidade dos trabalhadores da Administração Pública Central, Regional e Local, a que se somavam ainda os chamados Contratos (precários) de Emprego/Inserção, que em 31/12/15 ainda eram de 15.627.
Os truques do Estado
Um dos truques mais usados pelo dito Estado, em particular no sector da Saúde – vejam-se os casos do Saúde 24 e, mais recentemente, do Centro Hospitalar do Oeste – é mesmo o de, em vez de contratar directamente os trabalhadores (como médicos, enfermeiros, auxiliares de acção médica, etc.), celebrar contratos de prestação de serviço com empresas ditas prestadoras de serviços ou de trabalho temporário, que depois, e precisamente sob o pretexto da duração temporária do dito contrato, contratam e cedem trabalhadores em regime precário e com salários baixíssimos. E como tal estatal exemplo “pega”, rigorosamente o mesmo se passa hoje em áreas inteiras da Banca ou das Telecomunicações!
Mas há situações mais graves ainda do que a utilização, abusiva e fraudulenta (porque usados para suprirem necessidades permanentes de trabalho), de contratados a prazo, os quais, sendo embora formalmente similares aos dos trabalhadores permanentes, por terem permanentemente o cutelo da não renovação, aceitam normalmente condições, designadamente remuneratórias, muito inferiores (em média, cerca de 70%) às dos seus colegas do quadro.
Enfraquecer a Segurança Social
Estamos então a falar do recurso, ainda mais fraudulento e ilícito se possível, a formas contratuais não laborais para encobrir verdadeiras relações de trabalho subordinado e assim fazê-las escapar à aplicação do Direito do Trabalho e permitir a verdadeiras entidades empregadoras eximirem-se ao cumprimento das respectivas obrigações, transferindo para cima dos próprios trabalhadores os riscos e os custos da actividade e ficando apenas com os respectivos lucros, não pagando Taxa Social Única nem seguros de acidentes de trabalho. E obrigando, sob essa capa da existência de pretensas relações de Direito Civil, os trabalhadores a custearem do seu bolso e por inteiro tais seguros e contribuições para a Segurança Social, bem como a utilizarem em proveito da Empresa os seus próprios meios e utensílios (como por exemplo o computador ou o automóvel) e até a custearem as suas despesas de deslocação em serviço, chegando-se ao ponto de, inclusive, se formalizar isso mesmo em cláusulas dos respectivos contratos.
Nota de edição
A segunda parte deste artigo, dedicada ao tema dos falsos estágios, será publicada amanhã, dia 18 de Novembro.