Ricardo, autor de uma dezena de Obras literárias, andava muito deprimido.
Para se inspirar ele percorria todas as tascas de todos os bairros de Lisboa que, realmente, eram (são) fontes a jorrar ideias. Basta estar calado e ouvir as pessoas.
Porém, achava que já tinha esgotado todas as “fontes” e que Lisboa, tão grande e tão sabe-se lá o quê, já não lhe dava “novidades”.
Disso mesmo deu conta ao seu amigo Raul, numa das noites que se encontraram no Bar dos Canalhas a quem desabafou a sua mágoa. Queria escrever, mas não tinha sobre o quê. Confessou-se um homem de muitos sentimentos, mas que os sentimentos são como as crianças, gostam de histórias e necessitam de muita atenção.
Raul disse ao amigo que se Lisboa, para ele, estava esgotada em termos de inspiração que saísse da cidade, que fosse a pé pelo país, decerto tropeçaria em muitas histórias e em muitos homens que dormem devagar e, portanto, com muito para contar.
Ricardo nem se fez rogado. Aquele conselho não era moribundo. No dia seguinte pôs-se a caminho.
Uns três dias depois, subiu a um monte de onde se avistava no sopé uma pequenina aldeia. Parecia um presépio. E gostou. Tanto que se sentou a contemplar e a imaginar plurais literários.
Só mais tarde, desviando os olhos para a direita, reparou que havia ali umas largas cruzes e pequenas lápides.
-É um cemitério! – pensou – e daquela aldeia!
Mas porque haveria de estar ali num ponto tão alto? Talvez para que os falecidos estejam mais perto do Céu! – deduziu.
E decidiu ir até lá.
Para seu espanto, quer as lápides quer as cruzes indicavam que eram crianças. Nem uma tinha mais de cinco anos.
E chorou. E no pranto imaginou que as crianças da aldeia sobreviviam pouco tempo. E passou a chorar convulsivamente.
De tal ordem que não deu conta de um velhinho que apoiado na sua bengala se aproximava dele. Até que este lhe tocou no ombro e perguntou:
– Porque chora assim tanto o meu amigo?
Ricardo com dificuldade lá lhe explicou a sua dor por ver um cemitério de crianças. Que nunca tinha imaginado uma coisa dessas. E até se interrogava como é que tal desgraça nunca tinha sido motivo de noticia.
O velhinho, emprestando-lhe o lenço para que o escritor limpasse as lágrimas, afagou-lhe a cabeça e disse-lhe:
Meu amigo, não chore…não chore…não são crianças…
– Como não são? Eu não vi o tempo de vida que lá está escrito em cada uma das campas?
– Sim…mas isso não é a idade.
– Então o que é?
– É um costume que nós temos na aldeia. Mal nascemos temos um caderninho onde apontamos os momentos que somos felizes, um minuto aqui outro ali…por aí fora. Então, quando alguém falece é feita a soma do tempo em realmente viveu. Posto isso, acredite que a maioria que está aí enterrada tinha mais de oitenta anos, só que, “vividos” quase ninguém passa dos cinco.
Foi então a vez do escritor recordar o seu percurso de vida e pareceu-lhe ter um bebé na palma da mão.